Certamente, com a breve leitura tão somente do título, muitos não serão capazes de “ligar o nome à pessoa”, ou, mais precisamente, ao caso a que se reporta. Por tal razão, alternativa outra não nos resta senão a de fazer um breve prolegômeno “histórico”.
Para tanto me servirei de um outro artigo, em oportunidade distinta e da minha humilde lavra, que entendo seja-nos útil como auxílio e luz ao fato que ora enfrentaremos.
Faço referência ao “Não Jogue Pérolas aos Porcos”, onde faço um ousado trocadilho acerca de um pequeno fragmento do sermão no evangelho de Mateus 7:6 com o caso pujante. Em suma quer dizer o seguinte: Não perca seu tempo, ninguém quer saber de nada que não seja perfunctório…
Agora ficará ainda mais fácil: Mariana Ferrer, a quem o Diário Oficial da União desta terça-feira (23.11.21), deu seu nome à Lei n. 14.245/21, é aquela influenciadora digital que denunciou ter sido dopada e, por conseguinte, estuprada em meio a uma festa em Santa Catarina, cuja sentença absolutória TERIA (o que não foi nem de longe verdade) “fundamentado” sua decisão pelo entendimento, repita-se, que TERIA sofrido um “estupro culposo”.
Este fato invadiu as mídias sociais, recordo-me bem, que “gritava aos quatro ventos” este absurdo jurídico, repise-se – que não se sucedeu – de “estupro culposo”. Um sem número de pessoas, sem nunca sequer ter “alisado” os bancos de uma Universidade de Direito, sem nunca ter sequer “passado o olho” na referida sentença, ecoava, ou em termos mais modernos, repostava tais inverdades (modernamente também chamadas de Fake News). Um verdadeiro absurdo e sem precedentes, pela minha vaga memória.
Mas isto à época parecia ser o menos importante. Importante era “seguir a boiada”… era estar “na moda” dos “indignados”, ainda que totalmente desconhecessem o motivo de suas indignações.
Acabou que, sem adentrarmos muito ao mérito, por não ser este o objeto de nossa preocupação neste instante, POR ABSOLUTA AUSÊNCIA DE PROVA, restou-se absolvido o jovem (até então estuprador – como chamavam-lhe a opinião “publicada”), ante o pleito do próprio Ministério Público em face de todos os depoimentos, de todas as testemunhas, bem como demais provas (periciais) produzidas nos autos que contradisseram a versão acusatória.
Por fim, indo ao que realmente nos interessa hoje, ou melhor, ao que nos aflige hoje, como operadores do direito, principalmente àqueles que militam na esfera criminal, a publicação no DOU de uma lei que leva o nome da “vítima”.
Vítima?! Está dito vítima?! Se está, já estamos diante do primeiro equívoca da presente lei, pois, in casu, o que a influenciadora nunca foi, pelo menos no multicitado processo, foi vítima. E isso resta claro, é verídico e incontestável.
Agora, se estamos diante da condição de “vítima” em face de supostas menções à vida pessoal de Mariana, feitas pela defesa do então acusado durante o referido processo, estamos diante de uma grave distorção da efetiva função do Direito penal, ou seja, não devemos guardar qualquer preocupação com a vítima.
Não estou eu aqui a dizer que a vítima não tenha direitos ou importância, longe disso. Estou a dizer que não é e nem deve ser objeto de preocupação do Direito Penal a vítima. A vítima é objeto de preocupação da Política Criminal, que cuida das consequências dos crimes e ponto.
Ao Direito Penal cabe a proteção ante ao arbítrio estatal, à impossibilidade do indivíduo ser punido arbitrariamente. Ou seja, o Direito Penal deve guardar preocupação com o acusado, deve guardar preocupação em se impor limites à violência estatal.
O ato (lei) foi definido como o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio, e recebe punição de um a quatro anos de reclusão, além de multa.
Agora pergunta-se: Como, com segurança, poder-se-á medir o que é ofensivo à dignidade da vítima, senão a própria vítima? Estamos acabando com a defesa, estamos acabando com o Direito Penal, em nome de mais uma lei midiática, demagógica, que efetivamente não traz consigo a intenção de solucionar questões mas, tão somente, de “fazer figura” – falsa – de que o Estado está realmente preocupado em “recuperar a justiça para as mulheres”.
Precisamos, sim, é levar o Direito Penal a sério. E isso passa longe quando, já de início, damos a uma lei penal o nome da vítima. Isto me faz lembrar do Pacote Anticrime, hoje lei Anticrime, da lavra do Ex-Juiz Federal, Ex-Ministro de Justiça Sérgio Moro, que assim a batizou (ANTICRIME) como se fosse possível haver uma lei que fosse À FAVOR DO CRIME…
Não melhoramos, não estamos evoluindo. Precisamos retomar o rumo… Repito, precisamos levar a sério o Direito Penal.
*Élio Ricardo é Advogado Criminalista, Professor, Especialista em Ciências Criminais e Doutorando em Direito Penal.