Ainda sem liberação para distribuir a vacina russa Sputnik V no Brasil, o dono do laboratório União Química, Fernando Marques, acusa a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de interesses políticos para barrar o imunizante contra a Covid-19. A acusação foi feita em um áudio divulgado pela Folha de São Paulo nesta quinta-feira (18).
A Folha afirma que o áudio, com pouco mais de 2 minutos, foi enviado originalmente ao empresário bolsonarista Luciano Hang, dono das lojas Havan. Mas, de acordo a apuração do Estadão, a mensagem também chegou ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Luciano Hang afirma que a intenção é beneficiar o governador de São Paulo, João Doria, no caso do Butantã, e o PT e PCdoB, que têm a Fiocruz "na mão". "Eles querem manter a coisa com a Fiocruz e com o Instituto Butantã. Butantã na mão do Doria e Fiocruz na mão do PT, PCdoB. E, porra, não tem vacina, o povo tá morrendo", diz o dono da União Química a Hang, no áudio obtido pelo Estadão.
O empresário também afirma ter sido "humilhado" em uma reunião com o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres. O atual chefe da agência é contra-almirante da reserva da Marinha e foi indicado ao cargo por Bolsonaro no início do governo.
"É uma loucura. Eu estive com o Barra na semana passada. Ele só faltou me mandar acompanhar até o carro. Fui humilhado. Parece que é um criminoso alguém que quer trazer a vacina ao Brasil, que está sendo usada pelos russos, independente, em mais de 40 países", critica.
A União Química pretende distribuir a vacina russa no Brasil, mas, segundo a Anvisa, ainda não entregou os dados necessários sobre a substância. Técnicos da agência e da farmacêutica devem se reunir na próxima segunda-feira (22). Há expectativa de que seja feito um pedido de uso emergencial da vacina após essa conversa.
Em nota enviada na quarta-feira, 17, sobre reunião com a União Química, a Anvisa disse que a empresa apresentou "informações sobre qualidade, eficácia e segurança da vacina". "Entretanto, o relatório oficial não foi enviado", afirma a agência. Segundo o órgão, "estão pendentes dados essenciais para a análise, que estão sendo discutidos entre as partes".
A Anvisa disse que orienta a submissão do pedido de uso da vacina somente quando forem apresentados dados sobre a população-alvo da vacina, características do produto, os resultados dos estudos pré-clínicos e clínicos e "a totalidade das evidências científicas disponíveis relevantes para o produto".
"Essas informações fazem parte dos resultados provisórios de um ou mais ensaios clínicos da fase III e indicam que os benefícios da vacina superam seus riscos, de forma clara e convincente", afirmou a Anvisa na nota. A empresa alega que já protocolou um pedido de aval emergencial em janeiro, mas foi ignorado pela Anvisa. A agência alega que a solicitação foi devolvida por falta de "requisitos mínimos".
"Eu tenho comprovante eletrônico que entrei com o pedido dia 14 de janeiro. E eles suspenderam a análise. E eles negam que entrei. É uma coisa surreal. Entendeu?", afirma Marques. "É surreal o que estou passando. E esse povo não tem coração. Matando as pessoas por falta de vacina. É uma loucura", disse o dono da União Química no áudio que chegou a Bolsonaro.
Ainda segundo a Folha, o laboratório de Marques tem uma poderosa equipe de lobby, formada pelo próprio dono da empresa, o ex-deputado federal Rogério Rosso (PSD) e o ex-diretor da Anvisa, Fernando Mendes.
Na mensagem de áudio, o empresário ainda afirma que a Rússia se comprometeu a enviar 10 milhões de doses ao Brasil entre abril e maio, mas alerta que a Anvisa não liberou o uso da vacina. Trata-se do volume já contratado pelo Ministério da Saúde.
"Não estamos falando de coisa política não, é realidade. Olha o que tá acontecendo, não pode ficar dessa forma. É uma coisa surreal, não sei mais o que fazer", afirma ainda Marques.
A União Química confirmou a veracidade do áudio e comentou que a fala foi feita em momento de "desespero" do empresário. Por meio de sua assessoria de imprensa, porém, disse que a intenção não era que chegasse a Bolsonaro, apesar de Marques iniciar a mensagem tratando o interlocutor como "presidente" e se apresentando como "empresário do ramo farmacêutico".
"Fernando de Castro Marques, como cidadão, fez um desabafo emocionado ao também empresário brasileiro Luciano Hang, presidente da Havan, ao qual trata de 'presidente' sobre a enorme barreira para viabilização da vacina Sputnik no Brasil", diz a empresa.
"O imunizante já vem sendo aplicado em mais de 40 países, salvando milhões de vidas, e aqui seguimos sem autorização para importar e produzir", completa a União Química. A eficácia é de 91,6%, segundo dados publicados na revista científica "The Lancet".
BNotícias // Figueiredo