Após 24 horas da divulgação dos resultados do primeiro turno das eleições, o psicólogo Mário Felipe de Lima Carvalho foi procurado por três pacientes de seu consultório particular no Rio de Janeiro. Eram pessoas negras, nordestinas, duas delas mulheres, que relatavam ataques xenofóbicos no trabalho e pediam para adiantar a sessão de terapia.
Outros casos vieram. Na semana seguinte, o psicólogo, que coordena o projeto de roda de escuta Vozes e Cores para pessoas LGBTQIA+ na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), precisou organizar um encontro online sobre sofrimento político para atender a demanda.
Os participantes eram universitários de até 22 anos, preocupados com o futuro, e pessoas com mais de 60, que falaram sobre filhos e netos.
Uma mulher dessa faixa etária, lésbica e casada, contou que a filha adotiva, que é negra, passou a receber olhares acusatórios de vizinhos do prédio onde moram, na zona sul da cidade.
“Há esse incômodo, esse medo de uma escalada na violência. Por enquanto, as queixas giram em torno de olhares, comentários, assédio moral. O receio é de que isso vire violência física. Esse assédio traz efeitos, como crises de ansiedade e medo de sair na rua”, diz o professor.
O cenário observado por profissionais de saúde mental é o mesmo em diferentes estados do país.
De um lado, pacientes se sentem ameaçados diante dos votos recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores; de outro, pacientes se sentem ameaçados diante da possível volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Muitas pessoas estavam na expectativa de que a eleição presidencial se resolveria no primeiro turno —e essa expectativa foi quebrada. O efeito em alguns foi ansiedade e medo. Em outros, a sensação foi muito grande de exaustão e cansaço emocional que se traduziu em sonolência e estafa física”, diz o psicólogo Lucas Veiga, que atende pacientes de todo o país.
Os especialistas avaliam que, para muitos brasileiros, a divisão vista em 2018 –quando política virou tema de consultas– se intensificou neste pleito.
“Há uma dimensão de urgência bem maior. A precarização das condições de vida associada aos efeitos psíquicos da pandemia do coronavírus formaram um caldo de cultura preocupante no que se refere à saúde mental”, diz Ronildo da Silva, psicanalista e pós-graduando em Filosofia na UFPA (Universidade Federal do Pará), que presencia esse agravamento no consultório particular e na rede pública de Belém.
O psiquiatra e doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Tiago Queiroz afirma que, conforme o dia do pleito se aproximava, os relatos de ansiedade, preocupação e conflitos interpessoais aumentavam.
“Após o primeiro turno, continuam crescendo. Além da ansiedade daqueles que já tinham uma das duas opções [Lula ou Bolsonaro] definidas, existem também os outros, que preferiam outro candidato e, agora, precisariam escolher um nome. Isso também provocou divergências e conflitos entre as pessoas”, diz.
Com a experiência de 2018, alguns eleitores aprenderam a equilibrar o envolvimento político com práticas de autocuidado. Para outros, as eleições têm funcionado como gatilho resgatando traumas, sentimentos de medo, angústia e conflitos, acrescenta Queiroz.
Marcia Almeida Batista, diretora da clínica psicológica Ana Maria Poppovic, da PUC-SP, em São Paulo, diz que, pela primeira vez em 48 anos como terapeuta, se deparou com pacientes sofrendo por causa de voto.
“Há uma depressão em relação ao Brasil que chega ao consultório. Isso indica um impacto emocional grave e grande não só naquilo que está acontecendo nas eleições, mas no país de forma geral”, afirma.
No relacionamento com familiares e amigos, os embates deram lugar ao silenciamento numa tentativa de evitar rompimentos. Essa mudança de comportamento é um reflexo da pandemia, que fez pensar sobre o que é mais importante na vida, afirma Marcia.
“As famílias que se viram ameaçadas por conta da pandemia e perderam familiares, de alguma maneira repensaram suas brigas políticas frente à destruição das relações. Há um maior cuidado em não discutir sobre isso com aqueles que têm posições diversas da sua”.
Deixar de falar sobre política tem sido a principal estratégia adotada por pacientes do psicólogo e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Fabio Belo.
“A opção mais frequente é o pacto de silêncio. As relações familiares são complexas. Tem muito afeto e história que vão além. As posições políticas têm gerado um estresse gigantesco. Você tem rompimento real de pai com filho, de neto com avôs. O mal-estar é muito presente”.
Fabio Belo acrescenta que o enfraquecimento das relações familiares por divergências políticas começou a chegar ao consultório a partir das eleições de 2014. Neste ano, ele conta que ouviu pacientes em crise ao descobrirem o posicionamento político divergente do marido ou da mulher.
Para muitos, o diálogo se tornou raro. O futebol semanal, a ida ao clube e a visita ao tio viraram atividades insuportáveis por forçar a convivência com eleitores do candidato rival.
Essas alterações na rotina servem como indicativo do grau de interferência emocional causada pelo pleito. Tristeza, alteração no sono, apetite e irritabilidade são alguns dos sinais para serem observados.
De acordo com a Folha, os profissionais reforçam que é importante ter práticas de autocuidado nesse período e também buscar atendimento profissional, se preciso. Ter atividades de lazer, buscar grupos de apoio e evitar uso abusivo de redes sociais são práticas que ajudam.
No campo das relações afetivas, a recomendação é que a pessoa fortaleça vínculos com quem possa compartilhar angústias sobre o período. Nos relacionamentos onde há divergência o afastamento temporário pode ser a melhor opção.
Para o psiquiatra Tiago Queiroz (UFPE), uma etapa importante na autoanálise é aprender a respeitar a opinião divergente do outro. Reconhecer isso é algo que contribui para a saúde mental.