O físico Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), deverá ser anunciado como novo presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) na próxima semana.
A decisão, conforme a Folha apurou junto a pessoas próximas do pesquisador, não foi confirmada ainda oficialmente, mas já foi tomada pela ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos.
Galvão tem 75 anos, é professor do Instituto de Física da USP e foi candidato a deputado federal por São Paulo pela Rede, mas não foi eleito. Nos últimos meses, participou da equipe de transição do governo Lula.
O pesquisador se tornou conhecido em 2019 por protagonizar um dos primeiros embates de Bolsonaro contra a ciência produzida no país.
Em julho daquele ano, ao ser cobrado pela imprensa estrangeira sobre os altos níveis de alertas de desmatamento que vinham sendo registrados pelo sistema Deter, do Inpe, Bolsonaro disse que tinha “convicção” de que os dados eram “mentirosos” e acusou Galvão de estar “a serviço de alguma ONG”.
“Até mandei ver quem é o cara que está à frente do Inpe para vir se explicar aqui em Brasília, explicar esses dados aí que passaram à imprensa”, afirmou o então presidente. “No nosso sentimento, isso não condiz com a realidade. Até parece que ele está a serviço de alguma ONG, o que é muito comum.”
Era o primeiro ataque de negacionismo de Bolsonaro não somente ao que estava acontecendo na Amazônia, que sofria com um rápido avanço do desmatamento, como a dados produzidos cientificamente por órgãos do próprio governo. O Inpe é vinculado ao Ministério da Ciência.
Galvão reagiu imediatamente. Em entrevista ao Estadão, afirmou que Bolsonaro se manifestava “como se estivesse em uma conversa de botequim”, com “comentários impróprios e sem nenhum embasamento”.
O pesquisador, que havia iniciado a carreira no Inpe em 1970 e estava à frente da presidência do órgão desde 2016 afirmou, na mesma entrevista, que Bolsonaro “tomou uma atitude pusilânime, covarde” e disse que esperava ser chamado a Brasília para explicar o dado. “E que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos.”
Bolsonaro nunca falou com Galvão, continuou negando os dados e o exonerou duas semanas depois. O monitoramento do Inpe, porém, continuou mostrando, mês a mês, que o desmatamento da Amazônia seguia sem freio.
De acordo com a Folha, nos quatro anos em que esteve no governo, a Amazônia Legal, área que engloba a maior floresta tropical do mundo, perdeu 45.586 km2 —uma alta inédita de 59% em relação aos quatro anos anteriores. Em 2022, pelo quarto ano consecutivo, a taxa anual de desmatamento da Amazônia ficou acima de 10 mil km2.
O enfrentamento de Galvão a Bolsonaro rendeu frutos. No fim de 2019 ele foi escolhido pela revista científica britânica Nature como uma das dez pessoas que foram mais importantes para a ciência naquele ano, justamente por ter defendido o conhecimento científico perante Bolsonaro.
A revista disse que Galvão capturou a atenção global quando desafiou Bolsonaro por minar os dados que mostravam o aumento acentuado das taxas de desmatamento na Amazônia.
“(Foram) atos que ele sabia que o levariam a perder o emprego. O que ele não sabia era que se tornaria um tipo de herói, aclamado por seus colegas cientistas, bem como por estranhos nas ruas. Uma mulher até o parou no metrô em São Paulo para agradecê-lo por estar enfrentando Bolsonaro e ajudando-a a entender por que preservar a Amazônia é importante”, apontou na época a revista científica.
No começo de 2021, também foi contemplado com o prêmio internacional de Liberdade e Responsabilidade Científica concedido pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS).
“O professor Galvão defendeu a ciência sólida em face da hostilidade. Ele agiu para proteger o bem-estar do povo brasileiro e da imensa maravilha natural que é a floresta amazônica, um patrimônio mundial”, afirmou em nota Jessica Wyndham, diretora do Programa de Responsabilidade Científica, Direitos Humanos e Direito da AAAS.