Política

Procuradores usaram denúncia do sítio contra Lula para abafar crise com Janot

Em 2017, equipe do então PGR estava sob ataque após suspeita de edição de áudio que implicava Michel Temer

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Procuradores da Lava Jato no Paraná teriam arquitetado a divulgação da denúncia contra o ex-presidente Lula no caso do sítio em Atibaia, em maio de 2017, em uma tentativa de distrair a população e a imprensa das críticas que atingiam a Procuradoria-Geral da República na época.

É o que apontam discussões em chats no aplicativo Telegram entregues ao portal The Intercept Brasil por uma fonte anônima e publicadas hoje (14).

A equipe do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estava sob ataque por causa de um áudio vazado da colaboração premiada dos executivos do conglomerado JBS que atingia em cheio o presidente Michel Temer. 

Havia suspeitas de que o material havia sido editado e, meses depois, problemas como o jogo duplo do procurador Marcelo Miller, que recebeu R$ 700 mil para orientar a JBS, fizeram com que o próprio Janot pedisse que o acordo fosse rescindido.

De acordo com o portal The Intercept Brasil,  o então procurador Carlos Fernando dos Santos Lima escreveu aos colegas que a acusação que atribui a Lula a propriedade de um sítio em Atibaia poderia “criar distração” sobre a possível edição da conversa gravada entre o ex-presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, dono da JBS. 

O diálogo se tornou um dos pilares da primeira denúncia que a PGR fez contra Temer, no entanto, o que dominava o debate público até então eram suspeitas sobre a integridade da gravação.

A denúncia do sítio já estava pronta para ser apresentada em 17 de maio de 2017, dia em que o jornal O Globo publicou reportagem que acusava Temer de dar aval a Joesley para a "compra" do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB).

Diante da notícia, o coordenador da força-tarefa Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, decidiu adiar o oferecimento e a divulgação da acusação contra Lula, inicialmente programadas para o dia seguinte.

Quatro dias depois, a força-tarefa discutiu no Telegram o tratamento dado pela imprensa ao áudio de Temer e Joesley. Peritos entrevistados ou contratados por veículos de comunicação identificaram cortes na gravação e apontaram que poderia ter sido feita edição do arquivo.

A Lava Jato do Paraná, que não teve participação na delação da JBS, ficou preocupada porque, além de considerar as falas de Temer eram inconclusivas do ponto de vista jurídico, também se incomodava com a repercussão das suspeitas de adulteração do material.

Os procuradores estavam convencidos da integridade da gravação e aguardavam que viesse a público o quanto antes um laudo da Polícia Federal sobre o áudio. 

Durante esse debate, o procurador Santos Lima expôs seu plano no grupo Filhos do Januario 1, restrito aos integrantes da força-tarefa: “Quem sabe não seja hora de soltar a denúncia do Lula. Assim criamos alguma coisa até o laudo”. 

Depois do seu chefe Deltan Dallagnol se certificar de que o plano poderia ser posto em prática, ele comemorou, no mesmo grupo: “Vamos criar distração e mostrar serviço”.

A denúncia contra Lula então foi apresentada à Justiça e divulgada à imprensa no dia seguinte, 22.

Outro lado

Procurado pelo Intercept sobre o caso, o Ministério Público Federal do Paraná defendeu que “quando nenhuma questão legal (como a existência de prazo ou risco de prescrição) ou razão de interesse público determina o momento de apresentação de uma denúncia ou manifestação, a força-tarefa ouve a equipe de comunicação quanto ao melhor momento para sua divulgação”.

O ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima se aposentou em março deste ano e foi consultado separadamente. No entanto, não respondeu aos contatos da reportagem. 

A Procuradoria-geral da República também foi procurada para comentar o conteúdo das mensagens, mas disse que não irá se manifestar.

 

Informações: Metro 1 // IF