O policial militar reformado Wellington Sérvulo Romano da Silva, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), declarou em 2016 ter mais da metade de seu patrimônio em dinheiro vivo. Ele também teve salto patrimonial de mais de 1.000% no período em que atuou com o então deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
As informações constam das declarações de Imposto de Renda do tenente-coronel reformado, referentes aos anos de 2014, 2015 e 2016, às quais a Folha de S.Paulo teve acesso. Sérvulo foi um dos 95 alvos das quebras de sigilos fiscal e bancário autorizadas pela Justiça na investigação do Ministério Público do Rio contra Flávio, atualmente senador, e seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
A Promotoria afirma haver indícios de prática de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa de 2007 a 2018 no gabinete do filho do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, onde exerceu por 16 anos o mandato de deputado estadual.
Um dos elementos suspeitos é justamente a movimentação de dinheiro vivo entre ex-assessores do hoje senador. O tenente-coronel reformado ficou lotado junto a Flávio de abril de 2015 a setembro de 2016. Inicialmente estava vinculado ao gabinete da vice-liderança do PP, ocupada à época por Flávio. Um ano depois foi transferido para o próprio gabinete do então deputado e demitido em setembro.
Neste mesmo período, segundo as informações enviadas à Receita Federal, Sérvulo aumentou seu patrimônio declarado de R$ 9.273,37, no fim de 2015, para R$ 103.291,47, em dezembro de 2016. O aumento se deveu principalmente aos R$ 55 mil em dinheiro vivo que ele declarou como bem em 2016.
Em 2014, ele havia declarado um patrimônio de R$ 83.265,92, sendo R$ 50.407 referente a um veículo vendido naquele ano. No ano anterior, o patrimônio do PM era de R$ 89.928. Nestes dois anos, ele declarou ter R$ 15 mil em espécie, valor que não apareceu no Imposto de Renda de 2015.
Segundo os documentos obtidos pela Folha, o ex-assessor de Flávio teve rendimento de R$ 285,9 mil em 2016. A maior parte refere-se ao salário da PM (R$ 239,4 mil), que se somou aos vencimentos da Assembleia (R$ 46,5 mil).
De acordo com o Ministério Público, o PM reformado também é suspeito de ser um funcionário fantasma de Flávio. Ele esteve por 226 dias no exterior no período em que esteve lotado no gabinete do então deputado estadual -quase metade do intervalo.
Segundo os promotores envolvidos no caso, há indícios de que os funcionários fantasmas eram uma forma de ampliar o desvio das remunerações do gabinete de Flávio. Sérvulo já era alvo do Ministério Público desde a produção do relatório do Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) que apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão nas contas de Queiroz entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
No documento, o tenente-coronel reformado aparece como sendo o responsável pela transferência de R$ 1.500. Em razão disso, Sérvulo foi notificado para depor no Ministério Público. Assim como Queiroz, ele não se apresentou na data marcada.
Além do volume movimentado por Queiroz, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: saques e depósitos em dinheiro vivo. As transações ocorriam em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Pivô da investigação contra Flávio, Queiroz reconheceu ter recolhido parte do salário de servidores do gabinete do então deputado estadual Flávio, de 2007 a 2018, na Assembleia. O objetivo, disse ele, era contratar assessores informais para o então deputado e ampliar a base eleitoral do filho do presidente da República.
Flávio já tentou por três vezes bloquear as investigações na Justiça. Teve duas derrotas no STF (Supremo Tribunal Federal) e no Tribunal de Justiça, e aguarda a análise de outro habeas corpus sob relatoria do desembargador Antônio Amado.
O magistrado já negou na semana passada liminar solicitada por Queiroz para anular a decisão que deferiu as quebras de sigilos dos investigados. Ainda não analisou o pedido do senador. Os dois casos serão analisados pela 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ.
OUTRO LADO
Sérvulo afirmou que todas as informações sobre seu patrimônio constam das declarações de Imposto de Renda feitas à Receita Federal, "o que demonstra que eu nada tinha e nada tenho a esconder”. “Quaisquer outras informações somente serão prestadas por mim às autoridades competentes, se e quando forem necessárias”, afirmou o PM reformado.
Em nota, Flávio Bolsonaro afirmou que “as declarações de Imposto de Renda do ex-servidor Wellington Sérvulo são de responsabilidade dele e somente ele pode explicar sua evolução patrimonial”. “Todos os mandatos na Alerj foram pautados pela legalidade e defesa dos interesses da população. Tentar ligar a esses mandatos supostas ações irregulares e cometidas por terceiros não passa de erro ou ilação fantasiosa", disse.
"O senador Flávio Bolsonaro afirma que continua a enfrentar uma campanha caluniosa e acredita que vencerá as injustiças contra ele. Parte dessa perseguição é baseada em falhas e erros que, aos poucos, têm sido expostos. Ele acredita que a verdade prevalecerá”, completou o senador, em nota.
QUESTÕES AINDA SEM RESPOSTA NO CASO QUEIROZ
Quem eram os assessores informais que Queiroz afirma ter remunerado com o salário de outros funcionários do gabinete de Flávio?
Por que o único assessor que prestou depoimento ao Ministério Público do Rio de Janeiro não confirmou esta versão de Queiroz?
Como Flávio desconhecia as atividades de um dos seus principais assessores por dez anos?
Se Flávio possui apenas uma empresa que foi aberta em seu nome, em 2015, como ele obteve R$ 4,2 milhões para comprar dois imóveis de 2012 a 2014?
Por qual motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém que costumava movimentar centenas de milhares de reais?
De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e onde está o comprovante da transação?
Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros alegadas por Queiroz?
Por que há divergência entre as datas do sinal descrita na escritura de permuta de imóveis com o atleta Fábio Guerra e as de depósito em espécie fracionado na conta de Flávio?
INCONSISTÊNCIAS NO PEDIDO DO MP-RJ
Pessoas não nomeadas por Flávio Bolsonaro Há três casos de pessoas sem vínculo político com Flávio que foram alvo de quebra de sigilo. Elas estavam nomeadas no gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o senador assumiu o cargo e, em seguida, as demitiu.
Remuneração de Queiroz
Ao comparar gastos com vencimentos de Fabrício Queiroz, o Ministério Público considera apenas salário da Assembleia e ignora remuneração que ele recebe da Polícia Militar.
Saques
Há erro na indicação do volume de saques feitos por Queiroz em dois dos três períodos apontados.
Laranja potencial
Promotoria atribui ao gabinete de Flávio servidora da TV Alerj que acumulava cargo com outro emprego externo.
Patrimônio
Ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que Flávio adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida.
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