A Polícia Federal marcou, para a quinta-feira, 5 de abril, o depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro, no inquérito que trata da entrada ilegal de joias no Brasil. Outro integrante do governo que será ouvido é o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.
A previsão é de que Bolsonaro, que está nos Estados Unidos, chegue em Brasília na manhã desta quinta-feira,30. A informação já foi confirmada por sua assessoria.
Documentos, áudios e mensagens revelam que Bolsonaro atuou pessoalmente para tentar liberar o conjunto de joias e relógio de diamantes avaliado em 3 milhões de euros (cerca de R$ 16,5 milhões) trazidos ao Brasil de forma ilegal para ele. Ele também acionou três ministérios para forçar a liberação dos itens. O presente milionário dado pelo regime saudita acabou apreendido pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos. Eles estavam na bagagem de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que viajara ao Oriente Médio em outubro de 2021.
Foram ao menos oito tentativas para tentar liberar as joias no aeroporto, sem sucesso.
Mesmo sem conseguir reaver o pacote de joias apreendido, o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que liderava a comitiva que trouxe as joias, em outubro de 2021, não informou que já tinha passada ilegalmente pela alfândega, sem informar que possuía um segundo estojo com joias.
As apurações seguintes revelariam que Bolsonaro recebeu pessoalmente esse segundo pacote de joias da Arábia Saudita que chegou ao Brasil pelas mãos da comitiva do então ministro. No estojo estavam relógio com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rosa gold, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard. Esse jogo foi inicialmente estimado em cerca de R$ 400 mil, mas detalhes das joias revelaram que custa, na realidade, pelo menos R$ 1 milhão.
Ao jornal o Estdo de São Paulo, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens e “faz-tudo” do ex-presidente, disse que o estojo está com Bolsonaro, no “acervo privado” dele. A entrada das peças no Brasil sem declarar à Receita e a apropriação pelo presidente estão irregulares.
Inicialmente, Bolsonaro negou a existência de todas as joias. “Estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não pedi e nem recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”, disse.
Ocorre que os fatos vieram à tona e o ex-presidente teve de se desmentir, publicamente. A reportagem teve acesso a documentos oficiais que comprovam que o pacote foi entregue no Palácio da Alvorada, residência oficial dos presidentes da República. O recibo indicando que Bolsonaro recebeu as joias de diamantes foi assinado pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos às 15 horas e 50 minutos do dia 29 de novembro de 2022. O papel da Documentação Histórica do Palácio do Planalto traz um item no qual questiona se o item foi visualizado por Bolsonaro. A resposta: “sim”.
Bolsonaro requisitou essas joias faltando um mês para encerrar seu mandato e deixar o Brasil rumo aos Estados Unidos, onde se refugiou desde 30 de dezembro, quando perdeu a eleição para o seu rival Luiz Inácio Lula da Silva.
Antes, as joias ficaram por mais de um ano nos cofres do Ministério de Minas e Energia. Elas chegaram ao Brasil trazidas pelo então ministro Bento Albuquerque em outubro de 2021. Ele não declarou o ingresso do estojo, o que pela legislação é um crime. No mesmo voo, estava o assessor do ministro com outro estojo da marca Chopard, contendo um colar, um par de brincos, relógio e anel estimados em 3 milhões de euros (R$ 16,5 milhões). Essas últimas peças, porém, foram apreendidas pela Receita Federal quando o assessor do ministro também tentou entrar com elas ilegalmente no País.
Foi o próprio ex-ministro de Bolsonaro quem revelou que as joias eram para o ex-presidente. Em entrevista ao Estadão, Bento Albuquerque contou detalhes. Disse que ele e sua comitiva estavam deixando a Arábia Saudita, onde participaram de um evento representando Bolsonaro, quando um representante do regime os encontrou no hotel e entregou dois pacotes. Segundo ele, o conjunto de brilhantes avaliado em R$ 16,5 milhões era um presente para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. O outro pacote era para o presidente. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né… deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveria ser para o presidente, como dois embrulhos”, disse ao jornal.
Na semana passada, o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno, que passou a representar Bolsonaro no caso, entregou o segundo conjunto de joias que foi recebido ilegalmente pelo ex-presidente. Bueno levou o conjunto para uma agência da Caixa, localizado na Asa Sul, região central de Brasília, seguindo determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). A caixa de joias entrou no país com a comitiva do governo Bolsonaro em outubro de 2021, sem ser declarada à Receita Federal.
A defesa de Bolsonaro também entregou um fuzil e uma pistola presenteados pelos Emirados Árabes. Os itens foram dados ao presidente em 2019, quando Bolsonaro voltou do Oriente Médio, em um avião da Força Aérea Brasileira. As armas chegaram à PF nas mãos do segundo-tenente Osmar Crivelatti, que foi assessor de Bolsonaro durante seu governo. O advogado Paulo Amador da Cunha Bueno também estava presente no ato da entrega.
Depois de deixar as armas na sede da PF, o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno falou com a imprensa e procurou culpar a lei que trata de presentes presidenciais pelo fato de Bolsonaro ter ficado com uma das caixas e com as armas.
“O presidente não cometeu nenhum fato ilícito. Isso aí, ao longo do inquérito que está em curso e o processo no TCU, isso aí vai ficar bem explicado. É uma legislação confusa, tanto que, historicamente, dá problemas para vários presidentes, mas a situação é de total licitude para o presidente Bolsonaro”, comentou.
Questionado se os itens poderiam ser classificados como bens pessoais, como defendeu oficialmente o advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef, além de seu filho Flávio Bolsonaro, Bueno disse que, agora, está é uma “discussão confusa e complexa”. “Essa definição veio de uma decisão do TCU, mas a lei não usa. Vamos esclarecer isso”, disse.
As alegações do advogado não encontram respaldo no que foi decidido pelo TCU em 2016. Naquele ano, a corte de contas fez determinações claras sobre o que pode ou não ser incorporado como bem pessoal de um presidente, justamente para evitar posses indevidas. Ex-presidentes como Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva chegaram devolveram diversos presentes que receberam em anos anteriores, justamente por causa dessas regras.
Na segunda-feira, 27, o Estadão revelou que Bolsonaro ficou, ainda, com um terceiro pacote de joias dadas pelo regime da Arábia Saudita quando deixou o mandato, no fim de 2022. O estojo inclui um relógio da marca Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes.
A caixa de madeira clara, que traz o símbolo verde do brasão de armas da Arábia Saudita, contém uma caneta da marca Chopard prateada, com pedras encrustadas. Há um par de abotoaduras em ouro branco, com um brilhante cravejado no centro e outros diamantes ao redor. Compõe o conjunto, ainda, um anel em ouro branco com um diamante no centro e outros em forma de “baguette” ao redor, uma “masbaha”, um tipo de rosário árabe, feito de ouro branco e com pingentes cravejados em brilhantes.
O relógio Rolex é encontrado na internet pelo preço de R$ 364 mil. Os demais itens, quando comparados a peças similares, somam, no mínimo, R$ 200 mil. Isso significa que esta terceira caixa de presentes está estimada em mais de R$ 500 mil, na hipótese mais conservadora.
A reportagem apurou que este conjunto de joias, diferentemente das outras duas caixas enviadas a Bolsonaro, foi recebido em mãos pelo próprio ex-presidente, quando esteve com sua comitiva em viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, entre os dias 28 e 30 de outubro de 2019.
A reportagem apurou que, neste caso, Bolsonaro voltou com o conjunto de joias para o Brasil e deu ordens para que os itens fossem levados a seu acervo privado, o que foi confirmado no dia 8 de novembro de 2019, pelo Gabinete Ajunto de Documentação Histórica da Presidência.
Naquele momento, um formulário de encaminhamento de presentes para o presidente foi preenchido, com a especificação de cada item do conjunto de joias. Na parte inferior desta descrição, há uma pergunta que se questiona se “houve intermediário no trâmite”. A resposta é: “não”. Uma segunda pergunta questiona se o presente foi “visualizado pelo presidente”. A resposta é: “sim”.
Outra revelação que a reportagem trouxe é a de que Bolsonaro contou com a ajuda de um apoiador para arrumar um lugar onde guardar suas caixas de presentes recebidos durante seu mandato, como as joias de diamantes, e que não queria entregar para a União. Dezenas de caixas com pertences foram despachadas para uma propriedade do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet.
O local escolhido para guardar os presentes é conhecido como “Fazenda Piquet”, e fica localizado no Lago Sul, uma das regiões mais nobres de Brasília. A reportagem apurou ainda que tudo que foi destinado à propriedade de Piquet saiu pelas garagens privativas do Palácio do Planalto e também do Palácio da Alvorada, a residência oficial dos presidentes da República.