O juiz federal João Batista Gonçalves, da 6.ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializada em lavagem de dinheiro e crimes financeiros, indeferiu pedido da defesa do deputado Aécio Neves (PSDB/MG) e determinou que seja mantido no fórum da capital paulista inquérito policial que investiga "doações" do empresário Joesley Batista ao político. As informações foram divulgadas pela Procuradoria da República.
O inquérito tramita em São Paulo, pois está vinculado ao processo em que Aécio foi acusado pela Procuradoria-Geral da República pelos crimes de corrupção passiva e obstrução da Justiça por supostamente ter solicitado e recebido R$ 2 milhões do empresário durante uma reunião no Hotel Unique, na capital paulista. Essa denúncia da PGR foi recebida pelo Supremo em 2017.
O caso seguiu para a Justiça Federal de São Paulo em fevereiro deste ano.
Em maio de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu a abrangência do foro privilegiado e decidiu que só devem responder na Corte máxima políticos no exercício do cargo em que o crime foi cometido.
No caso de Aécio, o pedido de propina teria ocorrido quando ele era senador, mandato que se encerrou este ano com o início da nova legislatura.
O procurador da República Rodrigo de Grandis, do Ministério Público Federal em São Paulo, responsável pelos casos relacionados a Aécio oriundos do Supremo, requereu – além da manutenção do inquérito em São Paulo – a ratificação das decisões do STF no caso, inclusive o recebimento da denúncia, que trata de uma parte dos crimes investigados no inquérito policial.
O inquérito que a defesa de Aécio pleiteou transferir para a Justiça Eleitoral de Brasília trata de oito episódios envolvendo supostos pagamentos determinados por Joesley a Aécio antes e após a eleição de 2014 na qual o tucano foi derrotado por Dilma.
Segundo o empresário, as doações foram para a campanha. Mas, para o Ministério Público Federal, o uso da expressão doação de campanha não é correto e cita episódios em que os recursos foram aplicados sem relação com despesas do pleito de 2014.
A Procuradoria entende que "não há prova de que crimes eleitorais tenham sido cometidos no caso, mas sim corrupção e lavagem de dinheiro e que, ainda que venham a ser provados crimes eleitorais na investigação, estes não possuem conexão com os fatos investigados".
Pagamentos suspeitos
Um caso que para o Ministério Público Federal derruba a tese da defesa de Aécio de crime eleitoral é o da compra de um edifício que pertencia à empresa que era dona do Jornal Hoje em Dia, em Belo Horizonte.
Aécio pediu a Joesley, em 2015, R$ 18 milhões para quitar "dívidas eleitorais" e recebeu R$ 17,3 milhões para a compra de um prédio do Hoje em Dia.
Entretanto, o MPF aponta que a PF concluiu que o dinheiro não se referia a campanha, mas a uma dívida de Aécio com seu amigo Flávio Jacques Carneiro, ex-controlador do jornal, que pretendia lucrar com a eleição de Aécio ao cargo de presidente, utilizando o jornal para apoiá-lo politicamente.
Como Aécio perdeu a eleição, "Flávio se viu dirigindo um jornal deficitário que perdera completamente sua utilidade originária", afirma o procurador na manifestação do MPF contrária às pretensões da defesa do ex-candidato a presidente.
Outro episódio que para o MPF demonstra que não há crime eleitoral no caso, é o pagamento de milhões "para a campanha", mas "entregues indevidamente, em espécie e com ou sem o intermédio de doleiros, para pessoas físicas e jurídicas cuja finalidade é desconhecida".
Segundo a Procuradoria, é o caso, por exemplo, de R$ 5,3 milhões que foram pagos em espécie para Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio, e que exerceu a função de tesoureiro da campanha.
Apesar de delatores e defesa dizerem que esse dinheiro foi para "a campanha do Aécio", não há, segundo a investigação, "nenhuma evidência do destino desses valores".
Para o Ministério Público Federal, "tudo nos autos está a indicar que o objeto da investigação (?) se resume, em verdade, ao produto do crime de corrupção e à prática subsequente do delito de lavagem de dinheiro levada a efeito por doleiros e pela utilização de dinheiro em espécie".
Decisão
Ao analisar o pedido da defesa de Aécio, o juiz João Batista Gonçalves acolheu a tese do Ministério Público Federal.
Para a Justiça Federal, não merece acolhimento a petição da defesa de Aécio, pois "não se verificam elementos concretos a indicar a prática de crime eleitoral".
Para o juiz, só prosperaria a tese do julgamento do caso na Justiça Eleitoral caso houvesse indícios nos autos da ocorrência de crime eleitoral, "o que não ocorre no caso até o momento na avaliação do juiz federal".
Na decisão, Gonçalves aponta que "assim como as delações não bastam para condenar um investigado, elas também não servem para delinear de imediato, antes mesmo do oferecimento da denúncia pelo MPF, quais os crimes que teriam sido cometidos pelo ex-candidato a presidente".
"Assim, muito embora possa ter existido, ao menos na mente dos supostos corruptores, a finalidade eleitoral, de abastecer a campanha ou mesmo de quitar débitos dela decorrentes, não há, por enquanto, elementos de informação que permitam asseverar, com um mínimo grau de concretude, que os valores movimentados teriam, de fato, sido empregados no fim apontado pelo requerente (Aécio)."
Defesa
Em nota, o criminalista Alberto Zacharias Toron, que defende Aécio, informou que "a defesa não teve acesso à decisão antecipada no site do MP e irá recorrer na medida em que contraria, se confirmada, a decisão do STF que determina que acusações vinculadas a campanhas eleitorais devem seguir para avaliação da Justiça Eleitoral.
Nesse caso, trata-se de doações feitas na campanha de 2014, declaradas inclusive ao TSE. A decisão contraria até mesmo posição adotada pela PGR em caso semelhante. O aprofundamento das investigações vai desmascarar as falsas acusações do Sr. Joesley Batista e mostrará a correção dos atos do Deputado Aécio Neves."
Estadão // AO