Dia da Mulher

Conheça Maria Luiza Bittencourt, a primeira deputada da Bahia

Maria Luiza Bittencourt teve o mandato interrompido pelo golpe de estado deflagrado por Getúlio Vargas em 1937

Maria Luiza Bittencourt. Fotos: Arquivo Nacional/Reprodução
Maria Luiza Bittencourt. Fotos: Arquivo Nacional/Reprodução

Em 10 de novembro de 1937, o presidente Getúlio Vargas deu um golpe e instituiu a ditadura do Estado Novo. Dentre as medidas adotadas, estava o decreto que dava fim ao Congresso Nacional e a todas as casas legislativas no país. Na Assembleia Legislativa da Bahia, o último discurso proferido antes do fechamento do Parlamento por força ditatorial teve como bandeira a defesa da democracia. E a oradora era ninguém menos que a primeira mulher deputada estadual no estado: Maria Luiza Dória Bittencourt.

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o PS Notícias resgata a história da primeira mulher deputada no Legislativo baiano. A advogada e professora foi uma voz ativa na luta por direitos das mulheres em toda sua trajetória de vida.

Maria Luiza nasceu em 1910 no bairro de Paripe, em Salvador, e faleceu em 2001. Filha do médico-militar Luís de Lima Bittencourt e de Isaura Dória Bittencourt, ela estudou no Colégio D. Pedro II no Rio de Janeiro, para onde sua família havia se mudado. Por lá, se formou pela Faculdade de Direito na Universidade do Rio de Janeiro aos 21 anos de idade, em 1931, sendo a única mulher formanda da turma.

Formatura de Maria Luiza, única mulher da turma. Imagens: Revista da Semana. Data: 12 de setembro de 1931
Formatura de Maria Luiza, única mulher da turma. Imagens: Revista da Semana. Data: 12 de setembro de 1931

Discriminada por ser mulher

Um artigo produzido pela pesquisadora Andrea Wanderley para o portal Brasiliana Fotográfica, uma plataforma criada pela Fundação Biblioteca Nacional e pelo Instituto Moreira Salles, relata um caso de discriminação vivenciado pela jovem baiana estudante de direito.

Ela tentou adentrar ao Centro de Estudos Jurídicos e Sociais, conhecido como CAJU.

“Para ser membro desse grupo, era necessário defender uma tese. Ela apresentou um trabalho sobre extradição. Sua tese foi discutida em várias sessões, mas ela não foi aceita. Conforme depoimento de Vicente Chermont de Miranda, também aluno e membro do CAJU, [Maria Luiza] foi discriminada por ser mulher”, diz um trecho do artigo de Andrea Wanderley.

Aos 22 anos, entrou para a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), entidade presidida por Bertha Lutz, advogada e jornalista que Maria Luiza conheceu durante a faculdade. Engajada na mobilização feminista, veio à Bahia, a pedido de Bertha, para fundar a Federação Baiana pelo Progresso Feminino.

Reforma eleitoral

Desde a chamada Revolução de 1930, Getúlio Vargas chefiava o país de forma provisória após a deposição do presidente Washington Luís. Uma das bandeiras do movimento revolucionário era a reforma eleitoral, que foi sancionada em fevereiro de 1932. Dentre os pontos dessa nova legislação, estava o direito das mulheres acima de 21 anos de idade votarem e serem votadas.

Em outubro de 1934, chegou a vez de a Bahia realizar a eleição para deputados estaduais e federais. Neste período, o estado era governado pelo interventor Juracy Magalhães, tenente do Exército nomeado por Vargas.

Apoio a Maria Luiza

Após retornar à Bahia e ingressar no movimento feminista local, ela recebeu o apoio do interventor Juracy Magalhães para concorrer a uma vaga no Legislativo baiano.

De acordo com o Dicionário Biográfico-Histórico da Bahia (DBHB), organizado pelo Centro de Memória da Bahia (CMB/FPC), Juracy Magalhães era padrinho de casamento de Maria Luiza quando ela se candidatou ao Legislativo. Com apenas 25 anos, ela se filiou ao Partido Social Democrático da Bahia (PSD), criado por Juracy.

A escolha do nome de Maria Luiza na chapa para a Constituinte estadual enfrentou resistência de Aloisio Castro. Ele alegou que seu nome foi substituído pelo da advogada por determinação do presidente Vargas. No entanto, conforme registro histórico do Portal Brasiliana Fotográfica, Juracy Magalhães negou tal interferência.

Uma publicação d’O Jornal de maio de 1946 traz um trecho do caso. O assunto foi parar na sessão ordinária da Assembleia Constituinte no Rio de Janeiro, então capital federal, e ficou conhecido como “Caso baiano”.

Confira o que dizia a publicação n’O Jornal:

O apoio de Juracy Magalhães ao nome de Maria Luiza foi mencionado em cartas trocadas entre as dirigentes da Federação Brasileira para o Progresso Feminino. Em um dos documentos disponíveis no Arquivo Nacional, o interventor é citado como “correcto e generoso”.

“Ao contrário do que se passou na maioria das outras eleições, a candidata feminina foi prestigiada eficazmente e eleita. Dessa vitória, resultou uma cooperação profícua para a mulher brasileira e para a Bahia”, diz um trecho.

Na mesma carta, Maria Luiza é elogiada pelo apoio concedido ao governador Juracy Magalhães. “O Coronel Juracy Magalhães adquiriu uma correligionária inteligente e corajosa que muito o auxiliou no combate ao nazismo, que tentava infiltrar-se no berço do Brasil”, afirma outro trecho do documento.

Suplência

Na eleição de 1934, Maria Luiza Bittencourt ficou como primeira suplente do deputado Humberto Pacheco Miranda, ex-prefeito de Cachoeira. Em maio de 1935, ele se afastou do cargo para comandar a Superintendência da Viação Bahiana de São Francisco.

Com isso, Maria Luiza assumiu a cadeira de deputada estadual, conquistando o feito de ser a primeira mulher do Parlamento baiano.

Oratória

Desde os tempos de faculdade, Maria Luiza se destacava pela oratória que possuía. Ainda como estudante, venceu, no ano de 1929, a etapa do Rio de Janeiro de um concurso de oratória promovido pelo Instituto dos Advogados. O tema foi a Constituição Federal.

Na etapa nacional do concurso, ficou em segundo lugar e era a única mulher dentre os seis finalistas.

Maria Luiza Dória Bittencourt, única mulher entre os concorrentes da final nacional de um concurso de oratória. Foto: Correio da Manhã. Datado de 13 de outubro de 1929
Maria Luiza Dória Bittencourt, única mulher entre os concorrentes da final nacional de um concurso de oratória. Foto: Correio da Manhã. Datado de 13 de outubro de 1929

Sua habilidade com a oralidade causou incômodo a colegas de profissão. Em um artigo intitulado “Feminismo ou burla?”, o advogado Heitor Lima chamou a advogada baiana de “prodigioso papagaio de quitanda, capaz de falar cinco horas a fio sem dizer nada que se aproveite”.

O registro consta em uma edição do jornal Correio da Manhã, datado de 29 de setembro de 1934, isto é, um mês antes da eleição que consagraria Maria Luiza como deputada. O artigo tinha como alvo Bertha Lutz, mas atacava, nominalmente, a militante feminista da Bahia:

Sai engenheiro, entra construtora

A posse de Maria Luiza no cargo de deputada foi outro fato registrado pelo jornal Correio da Manhã. Na edição do dia 9 de maio de 1935, uma pequena nota trazia um relato da primeira mulher a ocupar uma cadeira no Legislativo baiano.

Em declaração à imprensa, conforme relatou o jornal, ela fez referência à fama de “falar muito”. Sobre a saída do titular do mandato, Humberto Pacheco, ela assimilou: “A Assembleia perdeu um engenheiro, mas ganhou uma construtora”.

Constituinte estadual

Maria Luiza Bittencourt chegou à Assembleia Legislativa da Bahia em um momento em que era elaborada uma nova Constituição estadual.

No livro “As donas no poder – mulher e política na Bahia”, da pesquisadora Ana Alice Alcântara Costa, consta que Maria Luiza teve importante atuação na Constituinte estadual, tendo participado ativamente da “Comissão dos Nove”. Esse grupo, explicou a autora em sua obra, era responsável pela elaboração do texto constitucional. A advogada foi a relatora dos capítulos da Educação e Ordem Econômica e Social.

A atuação parlamentar de Maria Luiza, entre 1935 e 1937, foi marcada pela defesa de democracia.

“Mas essa ‘alegria democrática’ foi passageira. Os sonhos eleitorais das mulheres, como de todos os brasileiros, foram adiados por longo tempo, até que passou o temporal do Estado Novo e as luzes da democracia ressurgiram no Brasil depois de 1945”, contextualizou Ana Alice em seu livro.

Em sua obra, a autora também conta o episódio do fechamento das casas legislativas por Getúlio Vargas e presença de Maria Luiza Bittencourt como última oradora do Parlamento baiano antes da dissolução.

“Maria Luiza foi a última voz que se manifestou na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia em um discurso em defesa da democracia e contra a ditadura que se estabeleceu antes do fechamento do legislativo em 1937”, narrou.

Influência americana

Em capítulo dedicado à Maria Luiza, o Dicionário Biográfico-Histórico da Bahia (DBHB) relata que ela viajou aos Estados Unidos assim que terminou a elaboração da Constituição baiana. O objetivo era estudar na Universidade de Radcliffe para se especializar em direito constitucional e finanças públicas.

Ao percorrer o litoral estadunidense, conhecendo estados com produção agrícola, teria se surpreendido com um empregado de um posto de gasolina que discutia sobre a constituição americana.

“Acreditava serem os Estados Unidos um país de povo consciente, e desejava o mesmo para a Bahia”, descreveu Andreia Novais de Quadros em seu artigo publicado no DBHB.

Depois da dissolução do Legislativo baiano em 1937, Maria Luiza não tentou retornar ao posto de deputada com a retomada da Casa em 1947.

Passou a morar no Rio de Janeiro, onde decidiu filiar ao PSB. Lá, foi responsável por criar um escritório de advocacia exclusivo para atendimento de mulheres. Dentre suas clientes, estava a escritora Cecília Meireles.

No ano de 1945, foi uma das fundadoras da União Democrática Nacional (UDN). Na ocasião, ajudou a criar uma coligação democrática para apoiar a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à Presidência da República.

Maria Luiza chegou a concorrer a uma cadeira de vereadora do Distrito Federal em 1947, mas não se elegeu.

A primeira mulher deputada na Bahia continuou ativa luta pela democracia e na defesa dos direitos das mulheres, mas sem maior envolvimento na política.

No ano de 1988, foi agraciada com o diploma do Mérito Ruy Barbosa pela Associação Brasileira de Mulheres Universitárias por ter sido a primeira mulher constituinte da Bahia.

Maria Luiza Bittencourt foi casada durante cinco décadas com o fundador da Editora da Casa do Estudante do Brasil, Arquimedes de Melo Neto, natural de Pernambuco. Ela veio a falecer em 2001.

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