Política

Caso Hyara: Povo Cigano denuncia problemas em ocupação de cargos em ministério do Governo Lula

“Precisamos refletir sobre onde estão as raízes das violências envolvendo as comunidades ciganas do Brasil, o que não é possível de ser feito sem a presença das próprias mulheres ciganas nesses espaços de articulação e poder. Hoje temos no MIR uma coordenação de políticas para ciganos ocupadas por pessoas alheias às reais necessidades e questões que nos envolvem. Precisamos rever essas estruturas que não nos permitem ter o direito de ter direitos e exigi-los.  Somos privadas dos debates, e quando participamos é apenas como coadjuvantes. Isso precisa mudar e este momento de luto, apesar de tanta dor e sofrimento, nos mostra o quanto fazemos falta nesses locais, que devem prestar apoio e desenvolverem políticas efetivas nesse sentido. A composição atual da chefia de políticas para ciganos do MIR deve ser revista, isso é o mínimo que esperamos de um governo do PT”, declarou Sara, que reside em Goiânia – GO, Estado com uma das maiores presenças de grupos ciganos do Brasil.

Divulgação
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Ativistas do Movimento Popular de Ciganos do Brasil denunciam que a recém-criada Coordenação de Políticas para Povos Ciganos, vinculada à Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos (SQPT), do Ministério da Igualdade Racial (MIR), pasta chefiada pela Ministra Anielle Franco e dirigida pelo quilombola, Ronaldo dos Santos, está sendo ocupada e chefiada por pessoas não-ciganas. 

Conforme os/as denunciantes, foram criadas diretrizes jurisprudentes de função comissionada para que apenas concursados federais pudessem ocupar os cargos de chefia, coordenação-geral e Coordenação de Políticas para Povos Ciganos, desconsiderando que a imensa maioria das pessoas ciganas não conseguem sequer acessar a escola, que dirá concurso público no governo federal.

Atualmente, a coordenação é chefiada por uma pesquisadora antropóloga, indicada para a função sem o conhecimento e consentimento do Movimento Cigano Brasileiro, contando, ainda, com pelo menos outra pessoa pesquisadora no cargo de coordenação, sendo que apenas os cargos de chefe de divisão, são ocupados por duas ciganas, sendo uma servidora federal cedida, e outra contratada, mas que atuam em funções técnicas reduzidas, sem atribuições deliberativas, ou seja, simbólicas.

“Por que os segmentos Indígenas e Quilombolas contam com pessoas do segmento em suas coordenações e diretorias e apenas a de Povos Ciganos abriu esse perigoso precedente para que uma pessoa, que não é cigana, ocupe uma posição destinada aos ciganos/as? Além disso, a única representante cigana no MIR ocupa função técnica diminuta, sendo notadamente ignorada nas decisões e excluída da Caravana Brasil Cigano, única ação até o momento direcionada e em curso, que tem promovido viagens da comitiva do MIR para comunidades ciganas, com o objetivo de escutar as mesmas demandas e necessidades dos Povos Ciganos que têm sido expostas há décadas,  e permanecem sem propostas de solução”, questiona Aluízio de Azevedo, cigano da etnia Calon, professor-doutor em Comunicação e Saúde dos Povos Ciganos (FIOCRUZ-RJ), representante da Associação das Etnias Ciganas do Mato Grosso e do Coletivo Ciganagens.

No final de junho, diversas Associações, Coletivos e Ativistas, se uniram e produziram um ofício enviado ao MIR, por meio do qual questionam como ocorreu a formação da Coordenação das Políticas Públicas para os Povos Ciganos e quais foram os critérios para as nomeações das pessoas que estão na coordenação, bem como os motivos de a equipe da coordenação não ter à frente pessoas do próprio segmento, como ocorre nos demais. Após diversas tentativas de diálogo e de obter respostas, apenas nesta terça (12), o MIR comunicou que fará uma reunião de “esclarecimentos” junto ao Movimento, na próxima segunda (12). Porém, evidenciaram por meio de interlocutores que não há intenção de promover mudanças e nem de atender aos pleitos.

Caso da cigana Hyara Flor reflete a ausência de políticas públicas formuladas com a participação de mulheres ciganas

De acordo com a cigana da etnia Calon Sara Macedo Kali, mestra em Direito, advogada popular, membro do Movimento Internacional de Mulheres Ciganas, o caso da cigana Hyara Flor, vítima de feminicídio aos 14 anos, na Bahia, é também reflexo da ausência de políticas públicas e de representantes ciganas nos governos do Brasil. 

“Precisamos refletir sobre onde estão as raízes das violências envolvendo as comunidades ciganas do Brasil, o que não é possível de ser feito sem a presença das próprias mulheres ciganas nesses espaços de articulação e poder. Hoje temos no MIR uma coordenação de políticas para ciganos ocupadas por pessoas alheias às reais necessidades e questões que nos envolvem. Precisamos rever essas estruturas que não nos permitem ter o direito de ter direitos e exigi-los.  Somos privadas dos debates, e quando participamos é apenas como coadjuvantes. Isso precisa mudar e este momento de luto, apesar de tanta dor e sofrimento, nos mostra o quanto fazemos falta nesses locais, que devem prestar apoio e desenvolverem políticas efetivas nesse sentido. A composição atual da chefia de políticas para ciganos do MIR deve ser revista, isso é o mínimo que esperamos de um governo do PT”, declarou Sara, que reside em Goiânia – GO, Estado com uma das maiores presenças de grupos ciganos do Brasil.

 O jornalista cigano da etnia Calon e de tradição circense, Roy Rogeres Fernandes, explica que os movimentos ciganos vêm crescendo paulatinamente, mas ainda se esbarram nos preconceitos que impedem a ocupação de espaços de formulação de políticas, como do MIR. “Hoje nós temos mais ciganos/as em todas as profissões civis, incluindo mestres e doutores, pesquisadores, que entendem das práxis burocráticas e políticas necessárias para exercer o trabalho de elaboração, defesa e promoção de políticas em benefício das comunidades ciganas do Brasil. Embora não tenhamos tido a oportunidade de subir a rampa do Planalto Central ao lado do presidente Lula no início deste governo, nos sentimos representados pela diversidade de povos, segmentos e grupos que simbolizaram a promessa em servir à pluralidade étnica que caracteriza a multiplicidade da população brasileira, na busca por equidade e igualdade racial, que só é possível com a participação concreta e não simbólica dos/as ciganos/as no seio gerador dessas políticas e ações mobilizadoras neste sentido”, desabafa.

“Ocorre que, na prática, não é isso que se observa na atual composição da coordenação de políticas para os Povos Ciganos do Ministério da Igualdade Racial (MIR), já que, uma mulher cigana reconhecida pelo movimento compõe a equipe, que é liderada por uma mulher não cigana, a Sra. Edilma do Nascimento e um homem não-cigano, o pesquisador Rafael Moreira, junto com outras pessoas não ciganas. Ou seja, seguimos tutelados, sendo minoria e cumprindo cota até mesmo em um setor mobilizado para atender as reivindicações de pessoas ciganas no âmbito do governo Federal, e isso é sim algo muito grave”, expõe Fernandes, que está concluindo o mestrado com pesquisa sobre Povos Ciganos no Ensino superior, na Universidade Federal da Bahia.