A seis meses de encerrar o mandato à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República), Augusto Aras ajustou sua rota de atuação, em um movimento visto como uma tentativa de aproximação com o Palácio do Planalto.
Após mais de três anos de gestão alinhada a Jair Bolsonaro (PL), o chefe do Ministério Público Federal indica a possibilidade de replicar o modelo com Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Aras fez acenos ao atual governo ao defender no início de março, por exemplo, mudanças na Lei de Estatais para permitir nomeações de políticos, revendo entendimento pela manutenção do texto que havia sido enviado dias antes ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Na seara da investigação, em vez de deixar a tarefa sob a responsabilidade da vice-PGR, Lindôra Araújo, um dos nomes mais alinhados ao bolsonarismo na cúpula da instituição e que o auxilia no Supremo, ele designou outro colega para tocar os inquéritos dos atos golpistas do dia 8 de janeiro.
É uma movimentação que integrantes do MPF ouvidos reservadamente pela Folha classificam de “esperada”, dado o perfil da gestão Aras. Procurado, ele não se manifestou.
Em setembro, Lula irá decidir o que fazer após o término do mandato do atual titular da PGR. O petista pode reconduzi-lo a mais dois anos no cargo ou escolher outro nome, mesmo fora da lista tríplice elaborada pelos procuradores em votação interna, o que ele já afirmou que fará.
“Única coisa que tenho certeza é que eu não vou escolher mais lista tríplice”, disse.
O petista culpa a Operação Lava Jato, a quem chamou de “moleques”, por não lançar mão da tradição que ele mesmo inaugurou em seu primeiro mandato. O presidente tem dito que não tem ninguém em vista no momento e não indicará alguém para lhe “fazer benefício”.
Em nota, a ANPR afirmou que “ao tratar a definição do PGR como uma escolha pessoal, o presidente da República abre mão da transparência necessária ao processo e se desvincula da preocupação com a autonomia da instituição e com a independência” do ocupante do cargo.
As palavras de Lula contrastam com a atitude crítica do PT quando Bolsonaro, em 2019, escolheu o hoje chefe da Procuradoria desprezando a listra tríplice.
Aras quer participar da indicação do seu sucessor pelo governo petista, e não descarta a própria recondução ele está em seu segundo mandato.
O ajuste de rota do procurador-geral começou já em dezembro, no governo de transição, quando a PGR mudou seu posicionamento sobre as emendas de relator, tornando-se crítica do instrumento gestado na administração Bolsonaro para ter apoio no Congresso Nacional.
Outros casos viriam na sequência. A Procuradoria pediu a apreensão de uma arma da deputada Carla Zambelli (PL-SP), uma das mais votadas parlamentares bolsonaristas, alvo de inquérito no STF.
Aras acionou também a corte contra o decreto de Bolsonaro que concedeu indulto a condenados, incluindo os policiais militares do massacre de Carandiru, em São Paulo.
O chefe do MPF pediu que o Supremo suspendesse imediatamente a eficácia de trecho da norma, “como forma de evitar o esvaziamento das dezenas de condenações do caso”.
No dia seguinte aos atos golpistas de 8 de janeiro, Lula se reuniu com governadores. Participaram da reunião ministros do Supremo, entre eles a presidente da corte, Rosa Weber.
Também presente no encontro, Aras negou que tenha havido omissão da PGR em reiteradas manifestações antidemocráticas incentivadas pelo ex-presidente e por seus aliados nos últimos anos. Ele garantiu que atuaria para responsabilizar os vândalos.
“Durante os eventos de 2021 e 2022 não tivemos nenhum ato de violência capaz de atentar contra democracia como visto ontem [8 de janeiro] “, afirmou ele na ocasião.
O titular da PGR criou um grupo, sob a coordenação do subprocurador Carlos Frederico Santos, para atuar nas investigações. Bolsonaro e o ex-titular da pasta da Justiça Anderson Torres, um dos auxiliares mais próximos do ex-presidente, figuraram entre os alvos.
Há sete inquéritos abertos no Supremo para apurar responsáveis pelos atos. Três investigam a participação de deputados federais bolsonaristas sob suspeita de terem instigado os ataques: André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE) e Silvia Waiãpi (PL-AP).
Outros dois miram executores, financiadores e quem auxiliou materialmente os atos. Há, ainda, um que apura os autores intelectuais e instigadores. Nesse inquérito, Bolsonaro é investigado.
Até o momento, a Procuradoria denunciou 1.187 pessoas, a maioria delas presa nas imediações do Quartel-General do Exército em Brasília.
Não se tem notícia até agora de acusações formalizadas contra autores intelectuais, financiadores ou políticos incitadores dos atos, o que para integrantes da Procuradoria ouvidos pela Folha é sinal de que a deferência ao bolsonarismo ainda sobrevive no órgão.
Em recente manifestação, uma das principais auxiliares de Aras, a vice-PGR, Lindôra Araújo, disse ao STF que o ex-presidente não cometeu crimes ou ato de improbidade na apresentação com ameaças golpistas a embaixadores estrangeiros em julho do ano passado. Ela solicitou o arquivamento de um pedido de apuração apresentado por deputados adversários do ex-mandatário.
Os parlamentares alegaram suspeitas de crime contra o Estado democrático de Direito, delito eleitoral, crime de responsabilidade e de atos de improbidade administrativa.
No Tribunal Superior Eleitoral tramita uma investigação que pode levar Bolsonaro à inelegibilidade sobre o mesmo fato. De iniciativa do PDT, da base de apoio a Lula, é a ação em análise com andamento mais rápido e apontada como a primeira candidata a ser julgada.
A Procuradoria é representada na corte eleitoral por Paulo Gonet Branco, designado por Aras para a função de vice-procurador-geral eleitoral. Gonet é um dos nomes citados entre os postulantes ao comando da PGR no biênio 2023-2025.