Investigado sob suspeita de envolvimento na compra de decisões no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e cobrado pela Receita Federal por impostos de suposta propina, o ministro Augusto Nardes (Tribunal de Contas da União) tem sido chamado pelo governo de Jair Bolsonaro para dar aulas sobre boas práticas de governança.
Autor de um livro sobre o assunto, Nardes deu palestra para o próprio presidente e seus ministros em 14 de março, no Palácio do Planalto. Em 26 do mesmo mês, esteve em evento em Brasília com os superintendentes da Polícia Federal, um dos órgãos que o investigam.
Ligado ao ex-ministro Eliseu Padilha, ele já dava aulas para autoridades no governo de Michel Temer.
Nardes é alvo da Operação Zelotes por, supostamente, receber R$ 2,5 milhões em troca de recrutar um grupo de lobistas para comprar decisões do Carf favoráveis à RBS, conglomerado de comunicação que atua no Sul. Os julgamentos sob suspeita no conselho –espécie de tribunal que avalia recursos de contribuintes a autuações da Receita– anularam um débito que ultrapassa R$ 1 bilhão.
Em novembro, 14 suspeitos de integrar o suposto esquema, entre empresários, ex-integrantes do conselho e advogados, foram denunciados à Justiça Federal por corrupção e lavagem de dinheiro.
Nardes não está entre os acusados, pois tem foro especial e o inquérito que o investiga tramita no STF (Supremo Tribunal Federal).
Como a Folha noticiou em dezembro, a Receita Federal notificou o ministro e determinou que ele pague impostos e multa por, supostamente, receber os R$ 2,5 milhões sem recolher impostos.
Em maio de 2018, a Polícia Federal fez buscas na casa do ministro, relativas à Lava Jato no Rio, que apura a suposta participação dele em esquema de corrupção com agentes do estado.
Nardes foi citado na delação premiada do ex-subsecretário de Transportes do Rio Luiz Carlos Velloso. O colaborador afirmou que despesas do ministro, como mensalidades da escola de um de seu filhos, eram pagas por uma corretora que recebia recursos de empreiteiras. Também declarou ter emprestado a ele um imóvel em Copacabana para festas de fim de ano.
O ministro tem negado envolvimento nos esquemas de corrupção e fraude em que é citado.
Ex-deputado federal que iniciou sua carreira política na Arena, partido da ditadura militar, Nardes foi indicado para uma das vagas da Câmara no TCU em 2005. No tribunal, ganhou notoriedade em 2015, como relator das contas do governo da então presidente Dilma Rousseff, processo que foi o embrião do impeachment.
Desde então, o ministro tem feito do tema boas práticas de governança seu novo cavalo de batalha, viajando o país a dar aulas sobre o tema, que ele conceitua como a capacidade dos governos de avaliar, direcionar e monitorar a gestão de políticas públicas, valendo-se de instrumentos como a gestão de riscos (inclusive o da corrupção).
Segundo fontes ligadas ao Planalto, a palestra de Nardes para os ministros de Bolsonaro foi uma iniciativa do titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), também gaúcho e próximo do ministro.
Além dos chefes das pastas do governo, como Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), outros alunos do ministro investigado foram o vice-presidente Hamilton Mourão e o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO).
Nardes tentou chamar outros integrantes do TCU para o aulão, mas eles declinaram do convite. Somente o colega de plenário Raimundo Carreiro, ligado ao ex-presidente José Sarney, compareceu.
No encontro de superintendentes e diretores da PF, em março, o ministro foi o único convidado de fora da corporação para dar palestra. A explanação teve duração de cerca de duas horas.
No governo de Michel Temer, o ministro da governança deu aulas em vários ministérios. Também é próximo do ex-chefe da Casa Civil Eliseu Padilha (MDB) e tinha bom trânsito na Esplanada.
No início do ano, Nardes se aproximou do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), com o qual costurou um projeto de cooperação para implantar uma política de governança no governo local. A filha dele, Cristiane Nardes, foi alçada ao cargo de secretária-adjunta de Governança e Compliance.
Procurado, o ministro do TCU informou, em nota, que desde 2012 “defende o projeto da governança como uma proposta de melhoria da administração pública brasileira, conforme acordo entre o TCU e a OCDE” (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Ele explicou que, a partir da edição do decreto federal 9.203/2017, que instituiu a política de governança no governo, “foram ministrados cursos e palestras para a alta administração pública dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nas esferas federal, estadual e municipal, assim como para entes privados que têm solicitado as apresentações”.
O ministro afirmou que já houve sete apresentações em 2019, “sendo que em nenhuma delas houve pagamento de remuneração”. Nos casos em que as apresentações são fora de Brasília, segundo ele, os custos do deslocamento são suportados pelos entes solicitantes.
“O ministro Augusto Nardes não se pronuncia sobre as investigações que estão tramitando no Poder Judiciário sob sigilo, mas reitera que está e sempre esteve à disposição das autoridades e que o projeto da governança não tem qualquer relação com as investigações”, acrescenta a nota.
Jair Bolsonaro não respondeu aos questionamentos da Folha, enviados para sua assessoria.
A Casa Civil, também por escrito, disse que Nardes e Carreiro apresentaram seminários em conjunto com a pasta, na condição de representantes institucionais do TCU. “Não existe a hipótese de remuneração para a participação e apresentação em tais eventos.”
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