Hoje é um dia que a dona de casa Margarete Santos Souza, 54 anos, jamais esquecerá. Não porque é véspera de seu aniversário, quando estaria ansiosa para o festejo, mas pelo fato de ter que enterrar seu companheiro, com quem conviveu por 36 anos. O técnico em manutenção Tomires José Brito de Souza, 58, foi vítima de uma bala perdida na manhã deste domingo, no bairro da Liberdade, e será e enterrado às 16h30 na Ordem terceira de São Francisco. Ele é uma das 29 vítimas do primeiro final de semana de agosto, o mais violento do ano em Salvador e RMS.
Tomires pintava a grade de casa quando foi atingido na virilha, por volta das 11h, na Rua Araponga. Chegou a ser socorrido, mas não resistiu e morreu na Unidade de Ponto Atendimento (UPA) da Avenida San Martin. Ele foi baleado quando homens encapuzados atiravam na direção de um casal há poucos metros de sua residência. Dos alvos, a mulher morreu na hora; ja o homem, encontra-se internado no Hospital Ernesto Simões. Não há informações sobre o estado de saúde dele. O casal ainda continua sem identificação.
Em menos de 24h, o bairro da Liberdade soma quatro mortes. No sábado, dois rapazes foram também assassinados por homens encapuzados. O caso aconteceu na Rua Sete de Abril, no Largo São Lourenço. Na hora, uma mãe pulou do primeiro andar com um bebê para fugir dos bandidos que invadiram sua casa. Na semana passada, outras três pessoas morreram no bairro.
Bala perdida
Tomires tinha acabado de pôr os pés em casa. Ele e a mulher chegaram da Feira do Japão, onde fizeram compras para o tradicional almoço de domingo em família. “Ele era muito ativo. Ao invés de descansar em casa, enquanto preparava a comida, ele preferiu pintar as grades de casa, na varanda da frente”, contou Margarete, visivelmente abalada e ainda sob efeito de calmante. Margarete disse que preparava o feijão, quando escutou os tiros, seguidos de um grito de Tomires. “Levei aquele susto e corri para a varanda. Foi quando vi duas pessoas caídas no chão perto de minha casa e Tomires ensanguentado no chão, agonizando”, relatou Margarete. Na mesma hora, vizinhos colocaram o técnico em manutenção num carro e o levaram à UPA, mas em vão. Tomires trabalhava consertando maquinários de padaria. Ele deixa dois filhos.
Pernambués
O casal baleado não mora no local. “Eles foram trazidos no porta-malas de um carro de cor escura. Foram retirados por quatro homens encapuzados e baleados. A mulher na cabeça. O homem levou muito tiro, mas não sei em qual parte foi atingido. O fato é que eles não são moradores aqui. Todo mundo que mora aqui é conhecido”, contou um morador que na hora do crime estava na janela. Policiais do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) estiveram no local e confirmaram que o casal não mora no bairro. “Tivemos a informação de que eles são de Pernambués. Foram trazidos aqui somente para execução, é o que tudo indica”, disse um agente sem querer dar mais detalhes.
Facções
As mortes recentes no bairro da Liberdade têm causado temor aos moradores de uma das regiões mais populosas de Salvador. “Está todo mundo com medo. Chegando em casa cedo e saindo só se necessário. A violência sempre existiu, mas estes dias está mais acentuada. Ontem mataram um inocente”, contou um comerciante e morador da Rua Estrada da Liberdade, a principal do bairro, que fez referência à morte do técnico de manutenção Tomires José, vítima de bala perdida. No entanto, para um policial civil, que pediu para não ser identificado, está acontecendo na Liberdade o mesmo que já ocorre em outros bairros como Cajazeiras e Brotas. “É a força do Bonde do Maluco (BDM). Eles estão tomando conta de tudo. As outras facções estão a cada dia perdendo o espaço”, opinou o investigador do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). “Por muitos anos, todos esses bairros tinham o Comando da Paz como a principal facção atuante. Porém, atualmente, o BDM quer tomar os pontos de venda de droga”, complementou.
Procurado pelo CORREIO, o major Edmilton Reis, comandante da 37ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Liberdade), afirmou desconhecer que as recentes mortes estão relacionadas. “Não tenho elementos para dizer sobre esses conflitos. Vendo pelo olhos da Polícia militar, vejo que não faz sentido, porque a gente não faz investigação. A gente sabe o que colhe na hora”, declarou. Mas o major reconheceu que há uma disputa de território entre “quadrilhas”, como ele mesmo chama grupos de traficantes em guerra pelo controle total de locais de venda de drogas. “A região da Liberdade está pulverizada, é inegável, mas estamos fazendo um trabalho forte contra o tráfico, com operações constantes”, disse.
Reprodução: Correio 24 horas