Assim como acontece nos bairros de Salvador e cidades da Região Metropolitana, o Complexo Penitenciário da Mata Escura, o maior do estado, também é divido por facções que disputam o controle do tráfico na Bahia. Três das quatro maiores organizações criminosas do estado, Comando da Paz (CP), Caveira e Bonde do Maluco (BDM), estão divididas em cinco unidades – uma delas, inclusive, ocupando um prédio inteiro. As três somam, atualmente, 4.053 internos, entre presos provisórios e condenados. No estado, são mais de 15 mil pessoas presas, segundo o mais recente levantamento do Ministério da Justiça.
Já quanto à Katiara, que surgiu no Recôncavo e tem mais expressividade no interior, os integrantes cumprem pena nas unidades prisionais de Feira de Santana, no Centro-Norte do estado, e Paulo Afonso, no Vale São Franciscano.
Segundo o Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado da Bahia (Sinspeb), a divisão se faz necessária para evitar uma “carnificina” no complexo penitenciário. “Essa divisão é antiga. À medida que as facções vão surgindo, os espaços vão sendo adequados. Historicamente, isso surgiu diante da falta de condição do Estado de gerenciar os conflitos e, por sua vez, os gestores permitiram que os presos se organizassem”, declarou o coordenador do Sinspeb, Geonias Oliveira.
Identificação
Os presos que chegam ao complexo automaticamente declaram à direção a qual facção pertencem. “Aquele que não se manifesta de imediato, passa por uma triagem, onde a direção pergunta qual o grupo ele faz parte e é direcionado para a unidade específica. Quem não está ligado a nenhuma facção é alojado aleatoriamente”, disse Geonias. Mas têm aqueles que grupo nenhum quer, que é o caso de estupradores. “Ficam no chamado ‘seguro’, uma cela separada que cada unidade tem para evitar o contato com os demais internos”, diz Geonias.
Em todas essas unidades, os banhos de sol são em horários alternados. Os dias de visita de parentes também. “As visitas são separadas. No Presídio Salvador, no prédio principal, acontecem na quinta e domingo para parentes de presos que são do CP. No prédio anexo, onde o domínio é do BDM, ocorrem nas quarta e sábados”, disse Geonias.
Divisão
Com a maior população carcerária do complexo, a Penitenciária Lemos Brito (PLB) tem hoje 1.487 internos, segundo dados fornecidos pela Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap). De acordo com o Sinspeb, o Módulo V abriga somente presos da BDM.
Nos módulos I e III estão presos da Caveira, filiada ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Já o Módulo II abriga, em sua maioria, internos do CP. E o Módulo IV é destinado àqueles tidos como de bom comportamento, que estudam e trabalham, além de idosos e doentes.
A segunda maior população carcerária é na Cadeia Pública, onde ficam 1.230 internos. No prédio, nos raios I, III e IV estão presos que fazem parte da Caveira, filiada ao PCC. No Raio II estão abrigados os presos que integram o BDM. Já no anexo da Cadeira Pública, os raios I e III também custodiam membros do BDM e o raio II é todo do CP.
Prédio inteiro
Com 981 internos, todo o prédio principal do Presídio Salvador é ocupado por integrantes do CP. Inclusive, foi dentro do próprio prédio que a facção surgiu. Já o anexo hoje é ocupado pelos detentos do BDM, facção que fora criada para ser uma ramificação da Caveira e que atualmente é considerada a mais violenta do estado pela Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP).
Já a Unidade Especial Disciplinar (UED), que custodia 242 internos, é constituída por galerias. A maior de todas, a Galeria B, é ocupara pelo Comando da Paz. A Galeria A é de um grupo independente que até então prefere não fazer alianças. Já a Galeria C é destinada àqueles que não pertencem a nenhuma facção.
Por fim, o Presídio Feminino tem 113 internas que ocupam as oito galerias. A predominância é da facção Caveira, que divide os espaços com as mulheres ligadas ao BDM. Ainda de acordo com o Sinspeb, a convivência entre elas tem sido amistosa e, por isso, por enquanto não há necessidade de separação.
Procurado pelo CORREIO, o promotor da Vara de Execuções Penais Edmundo Reis disse que as divisões são necessárias. “Essas divisões existem e, às vezes, sim, se fazem necessárias, dependendo do perfil de quem está integrado naquele pavilhão. A depender também do clima lá fora, da rivalidade entre as facções, da disputa de território, se faz necessário para garantir a integridade física das pessoas no complexo”, declarou Reis.
Fortalecimento
Questionado se a divisão seria uma forma indireta de fortalecimento das facções, o promotor concordou. “Sem dúvida. E quando se faz isso, é por falta de opção do Estado, porque o próprio Estado não se impõe com estrutura adequada. A lei permite separações, mas os critérios são presos provisórios e condenados, primários e reincidentes, jovens e adultos (entre 18 e 21 anos) e maiores de 60 anos. Mas estes critérios não são observados pelo Estado”, comentou ele.
Edmundo Reis disse que o fim das delimitações territoriais no complexo se dará com uma reforma estrutural no complexo. “Temos uma estrutura penitenciária bastante desestruturada, com estabelecimentos penais antigos, com uma arquitetura que não permite o domínio pleno do Estado, em desuso. Se o Estado não faz o papel dele, de gestor, existe um vácuo de ocupação dos líderes de facções”, considera o promotor. “É preciso substituir por novas edificações equipadas com detectores de metais, scanner humano, controle efetivo das pessoas, para evitar a entrada de drogas, armas e celulares”, concluiu ele.
Sobre os espaços demarcados das organizações criminosas no complexo da Mata Escura, a assessoria da Seap disse que só se pronunciaria se o CORREIO apresentasse “ofício assassinado pelo responsável pelo Sindicato dos Agentes Penitenciários”, o que não foi acatado.
Reprodução/Correio24h