Milhares de argentinos – contra e a favor da legalização do aborto – estão se mobilizando nas ruas e nas praças – para a votação de um projeto de lei, nesta quarta-feira (13), que divide opiniões. Atualmente, a Argentina permite interromper a gravidez apenas em casos de estupro e de risco para a vida ou a saúde da mãe. Já houve várias tentativas, no passado, de dar à mulher o direito de decidir o que fazer com o próprio corpo – mas o tema polêmico, no país de maioria católica, tem sido evitado por todos os governos até agora.
Na Argentina ocorrem 500 mil abortos clandestinos por ano – 60 mil acabam dando complicações e terminam em internações. “Os números demonstram que, apesar da proibição, as mulheres continuam abortando. Quem é de classe média e vive na capital pode dar um jeito, sem correr risco de vida”, disse a jornalista e ativista Mariana Carbajal. “Mas, para as pessoas de baixo recursos ou que vivem no interior, não ter acesso a uma clinica, onde possa abortar legalmente, representa um risco de vida. Ignorar isso é ignorar a realidade”.
A Argentina foi pioneira na legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e na aprovação de uma lei que permite aos transexuais escolher o nome e gênero que querem colocar no documento de identidade. Mas, por razões pessoais, religiosas e políticas, os presidentes argentinos têm evitado abrir um debate sobre o aborto. Isso mudou em março.
Uma nova geração de feministas iniciou campanha, improvisando protestos nas praças e ruas do país. A imagem de milhares de jovens, sacudindo lenços verdes – símbolo da luta pelo aborto – foi capa dos jornais e se multiplicou nas redes sociais. Em discurso no Congresso, o presidente Mauricio Macri surpreendeu os argentinos, ao apoiar o início de um debate que, segundo ele, “tinha sido postergado durante os últimos 35 anos”.
Na quarta-feira, a Câmara dos Deputados votará o projeto de lei, que legaliza o aborto até as 14 semanas. Depois disso, a gravidez só poderá ser interrompida em casos de estupro, se representar um risco para a vida e a saúde da mãe, e também se o feto tiver alguma malformação, “incompatível com a vida extrauterina”. Os médicos terão o direito de se negar a praticar abortos, por questões de consciência, mas nesse caso os centros de saúde precisam providenciar suficientes profissionais que possam realizar a operação e cumprir a lei.
Inicialmente, o projeto de lei só tinha o apoio de 70 deputados, mas à medida que foi ganhando espaço, surgiram os protestos das organizações pró-vida. Marina Lampeduza, estudante de medicina, participou de uma marcha contra o aborto, vestindo a bandeira argentina. “Estamos defendendo duas pessoas, a mãe e a criança, que está por nascer e não tem ninguém para falar por ela”, disse. “Acho que o aborto não é a solução. O Estado deveria investir em educação e em políticas de apoio às mulheres que engravidaram sem querer, ou porque foram estupradas, e financiar programas de adoção”, acrescentou.
Organizações de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional e as Mães da Praça de Maio (que buscam seus filhos desaparecidos na ditadura), também se somaram à campanha em favor do aborto. Já as organizações pró-vida contam com o apoio do Vaticano.
Ativistas, representando essas duas visões opostas, estão se preparando para uma vigília na praça em frente ao Congresso. O projeto de lei começa a ser votado na quarta-feira, mas o processo deve ser longo e as previsões são de que termine no dia seguinte. Mesmo se for aprovada, a legislação terá que ser submetida ao Senado, considerado mais conservador que a Câmara dos Deputados.
Agência Brasil // ACJR