A Basílica Santuário Senhor do Bonfim estava cheia na tarde desta sexta-feira (23) e nem era dia de festa. Pelo contrário, era dia de cada um carregar a sua cruz, literalmente. No templo, todas as missas deste dia foram celebradas em memória daqueles que foram vítimas de morte violenta.
Na celebração das 17h cada pessoa que perdeu um ente querido carregava na missa uma cruz de madeira com o nome e as datas de nascimento e morte daqueles que amavam. Ao final da celebração, os fiéis saíram das portas da igreja e as depositaram nos jardins da praça em frente à basílica. Foram ao todo 562 cruzes que fizeram o jardim mais parecer um cemitério.
Na Bahia, segundo a Secretaria da Segurança Pública, ocorreram 6.321 Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) no ano passado. Isso significa que mais de seis mil vidas foram ceifadas em homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Segundo um levantamento do portal G1, o estado é líder em números absolutos de assassinatos.
Em nota, a SSP alega que "os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) reduziram 5% em todo a Bahia, na comparação com 2016. Destaca que os próprios pesquisadores do Monitor da Violência publicaram as mazelas trazidas pela falta de padronização das estatísticas sobre mortes no país, problemática levantada pela Bahia e outros estados nordestinos há anos, criando falsos rankings"
De olhos cheios de lágrimas, Maria (nome fictício) ainda chorava a morte do sobrinho assassinado há 23 dias numa pizzaria. Dois homens vieram numa moto e dispararam 22 tiros contra o jovem de 23 anos.
“Ele tinha testemunhado um assassinato. Acho que pensaram que ele ia entregar os caras à polícia”, disse a mulher.
Agora, além da dor da perda, a família convive com o medo de mais algum parente ser a próxima vítima. “É muito difícil. Eu não durmo, eu choro todos os dias”. O caso ainda está sendo investigado. Ela pede mais segurança para todos e mais ação da polícia. “Eles (criminosos) não respeitam ninguém; família, trabalho, nada”, disse a mulher.
Impunidade
Uma dor vivida pelos que perderam seus familiares era a dor da injustiça e da impunidade. “Eles fazem isso porque sabem que não serão punidos”, bradou a mãe de Rafael Santos, assassinado em um bar em agosto do ano passado por membros de uma torcida organizada. Com um terço na mão e a foto do filho na outro, a artesã Débora Bastos, 53, pedia por ação da Justiça.
Filho de dona Débora foi morto por conta de rixa entre torcedores no ano passado(Foto: Arisson Marinho/CORREIO)
“A polícia já sabe quem foi, tinha câmera próximo do local. Eles já têm nome, já sabem onde o assassino mora, por que até agora ninguém passou uma posição para a família?”, disse a artesã, que espera que os assassinos sejam presos. Segundo ela, o inquérito foi concluído pela polícia e encaminhado ao Ministério Público do Estado (MP-BA).
No fundo, como todos os familiares presentes na Igreja, tudo o que ela buscava na religião era um pouco de conforto. “Vim aqui orar pelo espírito do meu filho, para que ele descanse”, disse. “A missa foi comovente. Rezamos pelo descanso eterno das vítimas da violência e de seus familiares”, disse o padre.
Outro caso que ainda não teve o desfecho esperado foi o da corretora de imóveis Janaína Silva de Oliveira, 43, assassinada com duas facadas nas costas pelo namorado em novembro do ano passado. "Ele (autor do crime) ficou preso 30 dias e foi solto", conta a filha da vítima, a gestora comercial Priscila Gama, 27.
Ela informa que sabe que o processo vai a júri popular, mas ainda não houve nenhuma audiência do processo. Enquanto o criminoso não é punido, ela vive com o coração desassossegado.
"É um sentimento de insegurança pelo fato de estar solto. Se ele estivesse preso, para mim não precisava de mais nada", reflete a jovem.
Oração e ação
Padre Edson Menezes, reitor da Basílica do Bonfim, pediu por paz várias vezes durante a missa. O ato de protesto de hoje faz parte da programação da Igreja da Campanha da Fraternidade 2018, cujo tema é “Fraternidade e superação da violência”, tendo como lema Em Cristo somos todos irmãos (Mt 23,8).
Para ele, a comunidade cristã pode sim agir contra a violência. “É preciso que se reze e se faça alguma coisa, oração e ação. Que não fiquemos de braços cruzados”, disse. Uma das ações da Igreja do Bonfim é distribuir folhetos para a superação da violência, quando algumas das dicas são evitar a rispidez, atitudes de ofensas e praticar a gratidão.
A programação da Campanha da Fraternidade continua neste sábado (24) às 17h com um ato interreligioso no Largo do Papagaio, na Ribeira, onde lideranças de várias religiões estarão juntas rezando e pregando pela paz. Na sexta-feira santa (30), as cruzes em homenagem aos mortos pela violência na Bahia serão retiradas para serem queimadas no Sábado de Aleluia (31).
Sobre as manifestações desta sexta, a SSP afirma que "acha louvável a Campanha da Fraternidade 2018 refletir sobre o problema da violência no Brasil.
Destaca que a Igreja Católica, uma grande parceira das polícias e idealizadora da campanha, também compreende que segurança pública não é um problema apenas das forças de segurança, ampliando a discussão para o papel da família, renovação das leis, investimento em educação e a consciência e contribuição de cada cidadão para a redução dos índices de violência".
Correio /// por Alberval Figueiredo