Justiça

Amab quer que TJ-BA torne sigilosos processos administrativos envolvendo juízes

O pedido foi feito em 2019 pela Amab logo depois da realização da Operação Faroeste

NULL
NULL

Mais de 30 anos após a promulgação da Constituição Federal, ainda há debates sobre os princípios da transparência e publicidade. Na Bahia, um requerimento da Associação de Magistrados (Amab) quer tornar sigilosos todos os processos envolvendo magistrados.  

  

O pedido foi feito em 2019 pela Amab logo depois da realização da Operação Faroeste, que culminou na prisão de desembargadores, juízes, servidores e advogados. O pedido teria como objetivo evitar a exposição de magistrados para não macular, assim, a categoria.  

 

Ao Bahia Notícias, a Amab explicou que visa assegurar a ordem jurídica e “resguardar a honra, a intimidade e a dignidade do Magistrado que, por ventura, venha a ser injustamente atacado”. A presidente associação, Nartir Weber, afirma que não se ignora o direito fundamental que todo cidadão tem à publicidade dos atos públicos, como previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Mas frisa que o pedido foi feito para “efetivar as normas constitucionais e infraconstitucionais que versam sobre a matéria, além de assegurar a independência e a dignidade dos membros do Poder Judiciário, desde que a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. 

 

Outro ponto que a presidente da Amab destaca é que, nos últimos anos, cresceu o número de procedimentos administrativos contra magistrados no TJ-BA, “os quais, em sua esmagadora maioria, não procedem”. “Mas, mesmo sem qualquer procedência, temos de reconhecer que apenas a abertura do procedimento acaba sendo nociva aos magistrados, diante da publicidade antecipadamente realizada, muitas vezes resultado de notícias falsamente trazidas ao público, as quais são utilizadas para denegrir, constranger e pressionar o magistrado ou o Poder Judiciário, causando danos, muitas vezes, irreversíveis”. 

 

O pedido da entidade de classe é embasado na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), de 1979. O artigo 54 da referida lei determina que qualquer procedimento instaurado contra magistrado deve tramitar em sigilo. “Toda garantia, direito ou prerrogativa necessariamente possui justificativa positivada em lei ou ato normativo e jamais pode ser confundida com eventual privilégio, mesmo porque o espírito das normas desse jaez é justamente salvaguardar o interesse público. A norma inserta no art. 54 da Loman caminha nesse exato sentido”, diz a Amab. Outro ponto apresentado pela instituição é que o inciso 3º do artigo 422 do Regimento Interno do TJ-BA assegura a confidencialidade de qualquer procedimento de censura para “resguardar a independência e a dignidade da Magistratura”. 

 

A relatora do requerimento, a desembargadora Carmen Lúcia, anteriormente havia deferido o pedido da entidade parcialmente, após conversa com representantes da Amab. Entretanto, ela mudou o voto por entender que “no Estado Democrático de Direito, a regra é a publicidade e o sigilo é a exceção”. O desembargador Edvaldo Rotondano apresentou o voto vista, que havia solicitado anteriormente, e defendeu negar o pedido da Amab para tornar sigilosos os processos envolvendo magistrados. Ele lembrou que a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) já havia feito requerimento parecido no Supremo Tribunal Federal (STF) que também foi rejeitado. Rotondano acrescentou que todo sigilo deve ser analisado caso a caso para avaliar se há critérios para decretação do segredo de Justiça.  

  

Para não ter confusão entre os termos sigilo e segredo de Justiça, o desembargador Eserval Rocha explicou que o termo "sigilo" é utilizado para investigação e "segredo de Justiça" para os processos. O Código de Processo Civil, no artigo 155, define que devem ocorrer em segredo os processos de casamento, filiação, divórcio, alimentos e guarda de menores. Nestes casos, somente as partes podem ter acesso aos autos. Para um terceiro ter acesso ao processo, é preciso solicitar ao juiz do caso. No caso de sigilo, nem mesmo as partes têm acesso aos dados processuais, que só é dado ao Ministério Público, ao juiz ou a algum servidor autorizado. O sigilo é utilizado na fase de investigação de processos penais para preservação de provas e não prejudicar as investigações.  

  

O desembargador Nilson Castelo Branco pontuou que a decretação do sigilo em fases de investigação é válida para qualquer cidadão, e exemplificou com casos de abuso sexual infantil, e que tal medida serve para preservar a dignidade da vítima. Assim como Eserval Rocha, ele defendeu a necessidade de explicar os termos para “não misturar alhos com bugalhos”.   

  

Os desembargadores que se pronunciaram na sessão plenária, realizada nesta quarta-feira (14), foram unânimes sobre a necessidade da sindicância contra magistrado tramitar em sigilo, por ser uma fase investigatória de um possível processo administrativo disciplinar. “Na investigação, tem que ter sigilo, mas no processo não, para não expor demais o magistrado, que não é um engenheiro, um arquiteto”, disse Eserval, comparando a complexidade da magistratura com outras profissões. O corregedor geral de Justiça, desembargador José Alfredo, e o desembargador José Aras pediram vista para analisar melhor a questão.  

 

Em setembro de 2013, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou um pedido da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) contra atos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por divulgar informações de juízes que respondiam a processos administrativos e por permitir audiências públicas nesses casos – ou seja, com teor similar ao do requerimento da Amab. 

 

A entidade também alegava no STF que o CNJ não observava o sigilo dos procedimentos, como previsto na Loman. A Anamages ainda pediu a proibição da divulgação de nomes de juízes pela assessoria de imprensa do CNJ. Toffoli, na ocasião, destacou que a Constituição de 1988 inaugurou uma nova era do tratamento de publicidade dos atos administrativos e judiciais. “A regra é a publicidade dos atos, tanto para a Administração Pública quanto para o Poder Judiciário, incluindo-se os julgamentos de processos administrativos que envolvam seus membros”, afirmou. 

 

No voto, o ministro indicou que o artigo 93 da Constituição prevê que a lei complementar sobre o Estatuto da Magistratura estabelecerá que todos os julgamentos dos órgãos do Judiciário e as decisões administrativas dos tribunais serão públicos. Por isso, ele entendeu que a Constituição prevalece sobre os artigos da Lei Orgânica da Magistratura. “O Supremo Tribunal Federal tem posição sedimentada acerca da prevalência dos princípios constitucionais frente às prerrogativas defendidas pela Loman. Situações de excepcionalidade, que requeiram a classificação de processos como sigilosos, devem ser analisadas em cada caso concreto”, fundamentou o ministro Dias Toffoli. 

  

A possibilidade de decretação de sigilo ou segredo de Justiça em processos envolvendo magistrados não foi bem recebida por representantes da sociedade civil. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), Fabrício Castro, ao Bahia Notícias, afirmou que “a regra deve ser a transparência”. “Nos casos em que for justificado o sigilo, com a devida fundamentação, o relator pode converter em sigiloso”, afirmou. O presidente da Ordem, contudo, não quis antecipar um cenário caso a proposta da Amab seja aprovada no TJ-BA.  

  

O coordenador do Sindicato dos Servidores do Serviços Auxiliares do Poder Judiciário (Sintaj), Alberto Miranda, declarou que a entidade é contra a proposta por ferir o princípio constitucional da publicidade. “É um retrocesso uma proposta como essa. Os magistrados não são seres superiores e nem inferiores com relação a outros seres. Nós somos a favor do sigilo nos casos em que a lei já prevê. É preciso entender que juízes são cidadãos como qualquer outra pessoa”, declarou. Para o líder sindical, se o TJ aprovar o requerimento, pode abrir um “precedente perigoso”, pois outras categorias não têm esse direito e o pedido configura “protecionismo”.  

  

O presidente da Associação Baiana de Imprensa (ABI), Ernesto Marques, também vê com preocupação a medida. “Toda e qualquer proposta de restrição ao acesso a informações de interesse público merece ser vista com desconfiança. Se a questão não envolve aspectos de segurança do Estado ou não ameaça a privacidade e a intimidade das pessoas envolvidas, não há porque falar em sigilo. Direito à informação é, cada vez mais, um direito tão fundamental quanto os direitos já consagrados”, declarou. Para ele, o “sigilo deve ser exceção, e não regra geral”, especialmente quando se trata da conduta de servidores públicos e “mais ainda quando algum processo administrativo envolver magistrados”.  

  

O presidente da ABI lembra que no passado já houve tentativas de dificultar o acesso à informação de interesse público e a sociedade brasileira não recebeu bem as iniciativas. “O Judiciário é o mais hermético dos poderes e eu creio que seus representantes devem estar atentos à impressão que a sociedade faz das suas decisões. Se é verdade que ninguém está acima da lei, isso inclui, evidentemente, os magistrados, que já gozam de diversas prerrogativas que os distinguem das demais carreiras de Estado”, analisa. Ele frisa que qualquer regra que queira transformar o sigilo em regra “merece ser muito bem avaliada”. 

 

Reprodução: Bahia Notícias

da Redação do LD