Pulo no escuro e para história. Ricardo Costa é o primeiro brasileiro a conquistar medalha de ouro nos Jogos Paralímpicos do Rio. Cego por conta da Doença de Stargardt, que causa perda da visão de forma degenerativa, o sul-mato-grossense de Três Lagoas se tornou campeão paralímpico do salto em distância T11 em prova cheia de emoção na manhã desta quinta-feira. Líder na maior parte do tempo, foi ultrapassado pelo americano Lex Gillete no penúltimo salto, mas manteve a frieza para fazer 6.52m na tentativa derradeira e liberar o barulho até então proibido para o torcedor presente no Estádio Olímpico. Ruslan Katyshev, da Ucrânia, ficou com o bronze.
A festa pelo ouro foi uma espécie de alívio para Ricardo e para os torcedores. Ao mesmo tempo em que tentavam incentivar com aplausos e gritos de incentivo, como "eu acredito" após o salto do americano que colocou o ouro em risco, o público precisou aprender a lidar com o silêncio necessário para concentração dos atletas sem visão. Já o novo campeão paralímpico leva para casa mais uma medalha para família Costa, que transformou a escuridão imposta pelo destino em ouro.
Fiz da minha deficiência o meu melhor inimigo, que vai me acompanhar por tempo indeterminado. Não coloquei uma dificuldade. Aceitei e, a partir disso, as coisas vieram ao meu favor
Ricardo Costa, campeão paralímpico
Ricardo é irmão de Silvânia Costa, campeã mundial do salto em distância T11 no Mundial de Doha, no Qatar, em 2015, e que também competirá no Rio de Janeiro, no dia 16, sexta-feira. Ambos perderam a visão em decorrência da Doença de Stargadt, que atua de forma degenerativa. A dificuldade de recursos impediu um tratamento precoce, e ao ser diagnosticado, já com 14 anos, Ricardo já tinha a visão condenada. O esporte, entretanto, mudou sua perspectiva de vida.
– Fiz da minha deficiência o meu melhor inimigo, que vai me acompanhar por tempo indeterminado. Não coloquei uma dificuldade. Aceitei e, a partir disso, as coisas vieram ao meu favor (…) Antes de conhecer o esporte, me via muito isolado. Não saia de casa, mas o esporte me trouxe para vida. Se eu estivesse no mercado de trabalho, talvez não conhecesse tantos países.
Além de Silvânia, o primeiro medalhista de ouro do Brasil no Rio tem outro irmão cego. A sintonia com a caçula, entretanto, é o que o move nas pistas:
– Lá em casa, sou eu e duas mulheres, mas sempre quis ter um irmão. A Silvânia, por ser a caçula, preencheu esse espaço. Somos muito unidos mesmo. Eu comecei primeiro no esporte, a convidei, e sempre nos ajudamos, nos incentivamos.
Liderança folga e muita emoção no fim
Durante a maior parte da manhã, a expectativa no Engenhão era de que Ricardo Costa ganhasse o ouro até com certa facilidade. Com 6.41m logo no segundo salto – tinha queimado o primeiro -, o brasileiro passou entre os oito que teriam seis tentativas com enorme folga na liderança: 21cm a mais que o ucraniano Katyshev – a partir do nono, a competição se encerrava no terceiro pulo. E assim permaneceu a competição até o quinto salto de Lex Gillette.
Com pratas em Atenas 2004, Pequim 2008 e Londres 2012, o americano sequer tinha ultrapassado a casa dos 6m quando voou para 6.44m. Líder! Toda pressão nos ombros de Ricardo. No salto seguinte, o brasileiro melhorou sua marca, fez 6.43m, mas ainda não era suficiente. Faltava um mísero centímetro. E o público apostou no "eu acredito!" que fez sucesso na Olimpíada. De imediato, a organização pediu silêncio.
Ao contrário do que aconteceu na disputa entre Thiago Braz e Renaud Lavillenie, dessa vez não houve vaia ou qualquer ato contra o rival do brasileiro. Gillette teve tranquilidade para saltar e marcar somente 5.93m. Pronto! Ricardo Costa já sabia o que fazer para recuperar o ouro. E fez. Concentrado, ouviu com atenção os chamados do guia e decolou para pousar 6.52m depois. Agora, pode gritar torcida brasileira: é ouro!
Reprodução/Globo Esporte