Popole Misenga, de 23 anos, e Yolanda Bukasa, 28, refugiados do Congo que moram no Rio em busca do sonho olímpico, estão esperançosos, mas também apreensivos. Os judocas aguardam a ajuda de custo do Comitê Olímpico Internacional (COI), que, segundo eles, seria paga no início do mês, via Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Explicam que essa é a única fonte de renda de ambos e que desde que desertaram, em 2013, contam com a boa vontade de estranhos. Eles deixaram para trás a família e a guerra civil que assolou o país africano nas últimas décadas e vivem em comunidades carentes do Rio.
— Minha vida não melhorou ainda. Vai melhorar — pontua Yolanda, que diz ter medo dos tiroteios na favela Cidade Alta, em Cordovil. — Aqui também é violento. Mas é diferente. Prefiro estar aqui, ir para as Olimpíadas e tentar viver do esporte.
Casado com uma brasileira, Fabiana Soares, de 32 anos, e pai de Elias, 1 ano, Popole diz que come pouco e que tem dias que fica fraco para treinar, como no Congo. Mas se diz realizado com a nova condição, mesmo morando na favela Cinco Bocas, em Brás de Pina:
— Hoje sou pai e isso é algo maravilhoso. Sou feliz aqui, mas tem dias que falta comida em casa — lamenta Popole, que assim como a compatriota, ganha uma cesta básica do Instituto Reação, ONG que também lhe oferece as aulas de judô e o dinheiro para o transporte.
Yolanda e Popole se integraram ao programa Solidariedade Olímpica em 24 de abril para serem beneficiados pelo fundo de emergência recém-criado pelo COI para auxiliar os refugiados, via comitês nacionais.
— Disseram que em uma semana fariam o primeiro pagamento e até agora nada — lamenta Fabiana, mãe de quatro filhos, um de Popole.
Segundo o COB, eles receberão o primeiro pagamento essa semana. Após os trâmites internos necessários para a liberação da verba, serão feitos dois pagamentos de cerca de R$ 17 mil para cada.
PUNIÇÃO POR DERROTA
Popole, que já foi vice-campeão africano, é um dos favoritos a disputar os Jogos no inédito time de refugiados, criado pelo COI. A entidade divulgará o nome de 5 a 10 atletas entre 1º e 3 de junho. O nível esportivo contará para a nomeação.
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O COI pediu aos comitês nacionais que indicassem refugiados com potencial. Mais de 15 comitês, incluindo o COB, apontaram atletas nessas condições, e 43 foram aceitos.
— Quero que os refugiados do mundo todo tenham orgulho de mim — diz a nadadora síria Yusra Mardini, que vive na Alemanha e figura na lista dos promissores, ao lado de Popole. — Quando se tem um problema, não significa que tem de sentar e chorar que nem bebê. Sou forte e vou alcançar meus objetivos.
A delegação dos refugiados desfilará com a bandeira do COI e terá tratamento igual a todas as outras, incluindo acomodações na Vila Olímpica e equipe com chefe de missão e comissão técnica. Desfilarão com a bandeira olímpica na cerimônia de abertura da competição à frente do anfitrião Brasil.
—Estou concentrado e quero ser escolhido — garante Popole que, assim como Yolanda, veio ao Rio para o Mundial de judô.
Eles contam que os técnicos os puseram em confinamento no quarto de hotel assim que pisaram no Brasil. Confiscaram passaportes e tíquetes para alimentação. Só apareceram três dias depois. Yolanda fugiu:
— Falava com todos os negros que via na rua em francês (língua natal) até que um me entendeu e me levou para um salão de beleza frequentado por africanos — lembra Yolanda, que já mudou de casa cinco vezes. — Troco a acolhida pela divisão da cesta básica. Meus pertences cabem numa malinha.
Popole, que competiu e perdeu na primeira luta no Mundial de 2013, só reencontrou a amiga um mês depois, no Centro de Acolhida a Refugiados Cáritas Brasileira.
Os dois não têm notícias da família. Ambos fugiram de suas vilas após invasão de rebeldes. Popole chegou a passar oito dias na floresta. Com a ajuda de tropas do governo, foram levados para um centro esportivo na capital, Kinshasa. Lá, as crianças eram divididas por aptidão.
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— Ele é jovem, duro e dedicado. Torço para Popole ir aos Jogos — disse Victor Penalber, da mesma categoria (81kg).
Segundo o técnico Geraldo Bernardes, o início dos treinos, há cerca de um ano, foi difícil:
— Chegaram competitivos demais, a ponto de lançarem os colegas para fora do tatame. Contaram que, quando perdiam lutas importantes no Congo, ficavam trancafiados. Agora, aprenderam o fair play. Conteúdo o Globo.