A cada ano, aumenta o número de pessoas com deficiência em salas de aula comuns: entre 2005 e 2015, o salto foi o equivalente a 6,5 vezes, de acordo com o Censo Escolar, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). O total subiu de 114.834 para 750.983 estudantes especiais convivendo com os demais alunos.
O aumento captado no estudo reflete, de acordo com especialistas, sobretudo mudanças na legislação. A mais recente delas foi endossada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho, confirmando a proibição de escolas cobrarem taxas extras nas mensalidades das crianças com deficiência. Em um cenário onde os colégios exclusivos para alunos especiais perdem espaço, a experiência de mães como Elaine Alves e Edna Azevedo mostra que a inclusão traz benefícios, mas ainda enfrenta obstáculos para ser plena.
Os dados do Inep, órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC), apontam que no ano passado, eram, ao todo, 930.683 alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no ensino regular e no EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Destes, 81% estavam em escolas e salas comuns e 19% nos colégios ou salas exclusivas para pessoas com deficiência. Em 2005, o quadro era bem diferente: 492.908 pessoas com necessidades especiais estudavam no país – apenas 23% no ensino comum e 77% em escolas especiais.
De acordo com Maria Teresa Mantoan, professora do curso de pós-graduação em educação na Unicamp e coordenadora do Leped (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença), o avanço da inclusão escolar pode ser explicado tanto por políticas públicas como por leis e mudança de mentalidade da população.
“O que vemos é a grande força dos pais, no sentido de terem entendido a importância de os filhos serem educados junto com os outros, na mesma escola”, explica a professora. “As famílias de crianças sem deficiência também acharam boa essa convivência com a diferença.”
Mãe de uma menina de 8 anos com autismo, Elaine Alves diz que a filha tem se desenvolvido mais ao conviver com amigos no Colégio Free World, escola particular em São Paulo. Para ela, Mariana avançou na capacidade de socialização, uma das maiores dificuldades dos autistas. Por meio da parceria entre escola e família, os professores adaptam o conteúdo das disciplinas de acordo com o desempenho da aluna.
“A Mari tem problema na coordenação motora fina, então são utilizadas letras móveis, sílabas. Ela já está reconhecendo palavras inteiras – sabe diferenciar 'manta' de 'manga', por exemplo”, conta Elaine.
Edna Azevedo, mãe de Letticia, de 10 anos, elenca os benefícios da inclusão sentidos por sua filha, que tem síndrome de Down e estuda na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Celso Leite Ribeiro Filho, em São Paulo. “Convivência, dinamismo, independência, o fazer de amizade. Ela desenvolveu melhor a fala”, conta.
A professora Esther Martins dá aula para Letticia há 3 anos. “Ela começou conhecendo as letras e hoje faz palavras cruzadas, pequenas leituras de palavra, conhecimento de números, interação social”, afirma. “Nessa sala da Letticia, são 33 alunos, sendo que 2 têm síndrome de Down. Vi que seria um desafio. A gente precisa se atualizar, estudar, buscar maneiras diferentes de ensinar para essas crianças.”
Financiamento público
A especialista da Unicamp Maria Teresa Mantoan afirma que o financiamento público para a instalação de salas de recurso multifuncionais, do chamado atendimento educacional especializado, colaborou para a inclusão das crianças especiais. Nesses ambientes, elas são recebidas no contraturno escolar, para trabalhos específicos de apoio, conforme a deficiência.
“Houve um trabalho intenso tanto no plano federal quanto na iniciativa particular, mas principalmente nos municipais. Foi feito um esforço para financiar material pedagógico, cursos para os professores e seminários que discutam a inclusão”, afirma.
A Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de São Paulo, em 2009, fechou sua escola especial, que substituía a comum. Desde então, passou a fornecer apenas o atendimento de apoio ao ensino regular.
“Era a educação especial sem conversar com os colégios regulares. Mas, com a legislação e os movimentos sobre inclusão das pessoas com deficiência, não tinha como não se moldar a isso, como não se abrir para o diálogo”, afirma Viviane Périco, supervisora do educacional da Apae de São Paulo. “Mas poucas Apaes fecharam suas escolas. A de São Paulo é uma das únicas.”
Mudanças na legislação
Entre 2005 e 2015, a legislação também estimulou iniciativas inclusivas. Em junho de 2007, um grupo de trabalho montado pelo Ministério da Educação formulou uma nova política voltada para alunos com deficiência, com diretrizes para a inclusão – acessibilidade na arquitetura e na comunicação, parceria com a família e a comunidade e atendimento educacional especializado.
Além dela, houve, entre outras, a implementação do Plano de Desenvolvimento da Educação; o decreto nº 6.094, em 2007, que estabeleceu como diretriz a garantia do acesso e da permanência dos estudantes especiais na escola; o decreto nº 6949, em 2009, que define a obrigatoriedade de um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, e o de nº 7.611, de 2011, que institui o atendimento educacional especializado gratuito e transversal a todos os níveis de ensino.
Além disso, a própria Constituição não dá margem para que uma escola, pública ou particular, recuse a matrícula de crianças especiais.
Desafios
Apesar da porcentagem crescente de crianças com deficiência nas salas de aula, ainda existem dificuldades para que a inclusão escolar ocorra de forma plena. Professores sem formação específica para receber pessoas com necessidades especiais, excesso de alunos por sala, desconhecimento sobre as características das deficiências e falta de infraestrutura são obstáculos.
Persiste, em alguns casos, uma resistência em compreender o significado da inclusão. Em julho de 2015, foi aprovada a Lei Brasileira da Pessoa com Deficiência (ou Estatuto da Pessoa com Deficiência), que, entre outras medidas, proíbe as instituições privadas de cobrarem qualquer valor adicional nas mensalidades e matrículas de crianças com deficiência. Ou seja: uma escola não pode cobrar uma taxa extra para receber esses alunos, nem exigir que os pais contratem e paguem um acompanhante para cuidar da criança na escola.
A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, representante de escolas particulares, ingressou com uma ação para declarar inconstitucionalidade de artigos desta nova lei. Em junho desde ano, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a validade do estatuto.
Ao G1 , o advogado da Confenen, Carlos Jean Araujo Silva, afirmou que a confederação não é contrária ao Estatuto da Pessoa com Deficiência nem à inclusão social, mas questiona dois artigos da nova lei: o 28 e o 30. Eles proíbem as instituições privadas de cobrarem valores adicionais nas mensalidades e obrigam que as escolas proporcionem recursos de adaptação às pessoas com deficiência, como provas em formatos acessíveis e recursos de tecnologia assistiva adequados.
A Confenen, de acordo com o advogado, enxerga que essas medidas são desproporcionais e discriminam a escola privada, já que a pública não poderia cobrar valores extras de qualquer forma. Também afirma que a obrigação de atendimento a crianças com deficiência pertence ao Estado, não às escolas privadas.
Para a confederação, receber estes alunos elevaria os gastos do colégio, que precisariam ser diluídos nos valores cobrados a todos os estudantes. “O custo com equipe altamente especializada é altíssimo. E esse custo, para aonde vai? O que vai acontecer é que será dificultado aos demais alunos o acesso à escola particular”, afirma Silva. O advogado diz que o atendimento a pessoas com deficiência intelectual é mais difícil e que exige uma equipe preparada para isso. Na visão dele, essas crianças devem estar em escolas especializadas.
Rodrigo Mendes, fundador do Instituto Rodrigo Mendes e membro do Young Global Leaders, argumenta que é necessário eliminar barreiras, já que, embora a legislação sobre direitos exista, ainda há um caminho para o país se construir como “inclusivo”. “Existe a necessidade de investimento contínuo em formação de educadores, da construção de uma rede de atendimento educacional especializado e desenvolvimento de matérias didáticos, transporte e espaços acessíveis."
Para Mantoan, o primeiro passo está sendo dado. “O que se esperava é que as crianças fossem para as escolas. Com elas lá, o desafio de atender a todos começa a se apresentar de forma drástica, de maneira que a escola comum tenha que se movimentar para rever suas práticas e tudo o que ainda é excludente: avaliação, perfil homogêneo das salas e estímulo de competitividade entre alunos para melhor nota”, afirma.
Reprodução/G1