O sertão vai virar deserto e o mar vai avançar para o interior. O impacto das mudanças climáticas deve ter efeitos devastadores na economia do país e nos hábitos dos brasileiros, principalmente daqueles que vivem no Nordeste, segundo relatórios que apontam as transformações provocadas pelo aquecimento da temperatura do planeta.
As mudanças são resultado das emissões de gases do efeito estufa cada vez maiores na vida moderna: desmatamentos para viabilizar a agropecuária, uso de energia de termoelétricas (que queimam combustíveis fosseis) e menos ações de combate a esses problemas.
No Brasil, os setores de energia e de transporte são os principais responsáveis pelas emissões dos gases do efeito estufa. “A área de transporte precisa realmente ter uma atenção especial porque a gente ainda faz muito transporte via caminhão e diesel pelo Brasil inteiro, se usa muito pouco trem e outros transportes que seriam muito mais eficientes em termos de emissões”, explica Christianne Maroun, professora do MBA de Gestão Ambiental e Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O principal efeito vai além do aumento da temperatura na Terra, estimada em dois graus Celsius até 2050 segundo o Painel Intergovernamental de Mudança do clima (IPCC, sigla em inglês), responsável por avaliar as mudanças socioeconômicas provocadas pela alteração no clima.
O impacto maior deve ser sentido mesmo no bolso. Com a mudança no regime de chuvas, haverá períodos mais prolongados de secas e consequentemente no volume dos rios. Energia e alimentação ficarão ainda mais caras e tendência é que bandeira vermelha na tarifa de energia seja uma boa lembrança do passado.
Alimentos hoje tão comuns, como o milho e o feijão, se tornarão mais escassos nas mesas, de tão raros vão se transformar em iguarias achadas em delicatessens mais caras.
No Brasil, as principais áreas afetadas deverão ser a Amazônia e o Nordeste, segundo relatório ‘Economia da Mudança do Clima’, organizado por especialistas da Embrapa, Universidade de São Paulo, Fiocruz e outros órgãos ligados à questão ambiental.
“Em uma atmosfera mais quente, a tendência é de ter mais evaporação. Por conta disso é que as regiões com escassez de chuva terão ainda mais problemas com falta de água”, diz o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Alexandre Costa.
Segundo o professor, que é especialista em mudanças climáticas, o aquecimento global impactará também diretamente na vida nas cidades litorâneas. “Imagine que 65% das cidades do mundo com mais de 5 milhões estão na zona de baixa costeira. A elevação da temperatura em até 2 graus implica uma provável elevação de 6 metros do nível do mar. Salvador seria bastante afetada e Recife ficaria numa situação bastante complicada com o mar avançando. Isso tem potencial de catástrofe”, diz.
Bichos e vegetações da Amazônia poderão enfrentar um aumento de até 8°C quando projetados os mesmos níveis de emissão de gases do efeito estufa em 2.100. A temperatura capaz de fazer sumir onças pintadas, tucanos, araras-azuis e micos-leões deve transformar a floresta amazônica em uma savana africana, porém, sem as girafas e os rinocerontes.
A redução das chuvas também vai impactar diretamente as produções agrícolas em todos os estados da região. No Nordeste, as chuvas devem diminuir até 30% por dia, segundo o coordenador do programa Clima e Energia do WWF-Brasil, André Nahur.
“Dez anos atrás, 80% das emissões de carbono do Brasil vinham do desmatamento. Hoje, elas caíram para 30%. Só que, enquanto isso, as emissões provenientes da energia e da agropecuária cresceram. Hoje, os três estão empatados com 30%”, diz.
Economia mais limpa enfrenta obstáculos para se estabelecer
A emissão de gases do efeito estufa está diretamente ligada ao consumo e às cadeias produtivas que envolvem as grandes empresas, segundo a professora de Gestão Ambiental da FGV Christianne Maroun.
“A grande questão que nós temos que discutir na nossa sociedade é o consumo, pois temos uma sociedade monetarizada e baseada em consumo e no livre comércio. Vejo que todas as empresas estão realmente atuando fortemente nesse assunto”, explica ela.
Segundo a professora, apesar dos esforços levarem a uma discussão cada vez maior da economia de baixo carbono, as ideias que propõe uma cadeia produtiva mais limpa ainda enfrentam grandes obstáculos.
“O pesquisador descobre [uma nova tecnologia] lá na universidade, por exemplo, aí ele vai patentear, vai produzir vários artigos científicos. Mas tem que conseguir produzir aquilo ali num preço minimamente competitivo em relação ao que os outros que já estão aí há anos praticam no mercado”, explica.
“As dinâmicas comerciais do mundo são muito perversas para as novas tecnologias que podem impulsionar a gente para uma economia de baixo carbono, que é o que a gente quer, que é reduzir as emissões absolutas da terra. Porque São Pedro não está lá com uma planilha olhando reduções absolutas”, diz. Para o professor da Uece Alexandro Costa, o Brasil optou por alguns setores que são intensivos no uso de água, como termoelétricas.
“Falam muito em mitigação dos efeitos, mas os limites de adaptação a essas mudanças são muito estreitos. Será que estaremos preparados para esses dois graus mais quentes? Quando se fala em mitigação implica algumas medidas muito claras: abandonar os combustíveis fósseis, carvão e gás, como fonte de energia. Se nós não quisermos que o aquecimento passe de 2º Celsius, é preciso abandonar esses combustíveis, ou nós vamos comprometer as condições de vida”, defende o pesquisador.
Brasileiros dizem que efeitos das mudanças no clima são sensíveis
O baixo volume de chuvas impactará diretamente nas bacias que alimentam as hidroelétricas responsáveis por fornecer energia para a região. O volume de água que deve correr nos rios das bacias que correm principalmente o Nordeste, se confirmadas as previsões até 2.100, é alarmante para a vida humana.
Parte desse impacto já foi possível ser sentido no Nordeste, que enfrentou a pior seca dos últimos 30 anos em 2012, e por moradores da região de São Paulo, que enfrentaram uma grave crise hídrica neste ano, provocada pela redução do volume de água dos reservatórios.
“Temos assistido a secas recordes no mundo todo, como por exemplo, na Califórnia, no crescente fértil no Oriente Médio, que cobre parte do Iraque e Síria, onde morreu 85% do rebanho. Isso levou inclusive a uma fuga das pessoas do campo para as cidades. Já no Nordeste, a gente está com 4 anos de seca e com todas as evidências apontando que essa seca se prolonga até o ano que vem. Estamos enfrentando o El Niño mais forte desde 1998. Aquecimento global com efeito do El Niño não dá boa coisa”, diz o professor da Uece Alexandre Costa.
Uma pesquisa realizada pelo instituto de pesquisa Datafolha, encomendada por Greenpeace e Observatório do Clima, mostra que 95% dos brasileiros acreditam que suas vidas já são impactadas pelas mudanças da temperatura do planeta.
A pesquisa foi realizada entre 11 e 13 de março deste ano, e ouviu 2.100 pessoas, que responderam à pergunta ‘As mudanças climáticas que estão afetando o Brasil têm relação com a crise hídrica e a crise energética?’. Mais de 90% dos entrevistados disseram que sim. A pesquisa identificou ainda que, para 48% da população, o governo federal faz menos do que deveria para enfrentar estes problemas.
Foto: Reprodução/Brasil