Domingão, dia de feijoada. "Só que não!", como se diz na gíria. O feijão, que junto com o arroz integra o prato mais popular do país, passou a ser visto como artigo de luxo. Comercializado em Salvador por até R$ 15 (o quilo), o grão ganhou as redes sociais em memes (vídeos e áudios de humor que circulam na internet) que agora também já tomam conta das conversas entre amigos. As piadinhas estão presentes inclusive nos mercados onde o produto é vendido, sempre em meio a trocadilhos que o associam a jóias, fortunas e prêmios milionários de loteria.
Não é para menos: só nos primeiros cinco meses do ano, o preço do feijão subiu 43,13% em Salvador, segundo pesquisa feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). "Do jeito que está, feijoada agora só mesmo para quem está pagando promessa para Ogum, ainda assim reduzindo a quantidade", diz o feirante Valter Mendes, que vende o produto em boxe no mercado das Sete Portas, em Salvador.
Na capital baiana, o quilo do feijão já chega a R$ 15 nos mercados de bairro, alimentando cada vez mais apenas os memes da internet e as piadinhas na feira, onde o produto é vendido cru ou cozido nas barraquinhas de comida "popular". Elas são as preferidas de boa parte dos baianos que já se acostumou a "bater o feijão" no domingo: ou seja, deliciar-se com uma boa feijoada para recarregar as energias.
Baianos resistem à ideia de substituir o tradicional produto
Memes e piadas
"Para comprar feijão agora só vindo buscar com carro-forte", brinca um dos frequentadores da Feira das Sete Portas, no centro da cidade, ao passar em frente ao box Casa da Fazenda, onde "Seu Valter" vende agora o quilo do produto, tipo mulatinho, por R$ 13 e R$ 14, a depender do tamanho do grão. "Carioquinha, a gente nem vende mais, pois está ainda mais caro", conta Mendes, que diz já ter se acostumado à pilhéria sobre o tema.
Segundo o feirante, embora seus clientes tenham "dado um tempo" de oferecer feijoada no almoço para os amigos no domingo, o feijãozinho tradicional do dia a dia ainda vem sendo mantido, nem que seja com a substituição pelo tipo preto, que está custando, em média, metade do preço do carioquinha e mulatinho. "Baiano que é baiano não fica sem feijão não", assegura Mendes. "É o que dá sustança", completa o feirante, em bom "baianês".
"Dona Sirleide" diz que o feijão não pode faltar
Tradição na Bahia
Quem tem o costume de comer feijoada nas barraquinhas da Feira das Sete Portas ainda encontra o preço do prato igual ao que era cobrado no início do ano, conforme garantem comerciantes como José Nunes: R$ 17 (prato feito) e R$ 33 (comercial) na barraquinha dele "Tempero e Qualidade", conhecida pelo "feijão da Dona Sirleide", a cozinheira. "Mesmo com preço alto, o feijão não pode faltar, porque já virou tradição entre os clientes", ressaltam Sirleide e "seu patrão".
No início do mês, "Seu Nunes" ainda conseguiu comprar o quilo do produto por R$ 11. Esta semana, o preço mais barato já havia subido para R$ 12. Foi por este mesmo valor que a pequena empresária Glória Sacerdote comprou os 13 quilos de feijão que usa semanalmente no restaurante "Feijoada da Glória", no andar superior do mercado das Sete Portas. "Muita gente gosta de bater o feijão logo cedo, e às seis da matina, em pleno domingo, já tem gente esperando", conta a comerciante.
Para manter a clientela, "Dona Glória" encomenda o feijão direto de Irecê, no interior do estado, e sequer cogita trocar o feijão mulatinho pelo preto, mais barato. "O baiano que vem aqui não quer comer feijoada carioca, de feijão preto; ele pode até ter substituído o feijão em casa, mas aqui ele quer encontrar a feijoada baiana", frisa, completando: "Em tempos de crise, eu não posso arriscar perder a clientela".
(Reprodução: A Tarde on line)