Economia

Desigualdade crescente reproduz cenário pré-revoluções, avalia economista

João Sicsú defende criação de sistema tributário mais rigoroso no mundo inteiro

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O sistema econômico e social em vigor tem produzido uma situação cada vez mais insuportável para 99% da população mundial. A tendência é o cenário ficar semelhante ao do início do século passado, quando explodiram revoluções que alteraram profundamente os rumos da história. A análise é do professor do Instituto de Economia da UFRJ, João Sicsú, que critica a prática de lucros elevados e pagamento de impostos reduzido por parte dos mais ricos, o que que piora a vida de trabalhadores em todos os países, mesmo nos que tinham um "capitalismo mais civilizado" até pouco tempo. 

Enquanto investidores e autoridades de Estado manifestam suas preocupações com a possibilidade de uma nova crise mundial, aumenta o fosso entre a parcela dos mais ricos e o resto da população. Relatório da organização Oxfam, chamado Uma economia a serviço de 1%, apontou na última semana que esta disparidade aumentou de forma dramática nos últimos 12 meses. Em 2014, outro relatório da mesma ONG alertava que o número de bilionários tinha dobrado desde a crise de 2008, enquanto se agrava a desigualdade. O culpado era o “fundamentalismo do mercado” que atua em benefício apenas da elite. 

 

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Enquanto há cinco anos a riqueza de 388 pessoas era equiparada à riqueza de metade da população mundial, agora apenas 62 pessoas da parcela mais rica do mundo têm capital proporcional à metade da população mais pobre. Entre essas 62 pessoas estão dois brasileiros, Jorge Paulo Lemann, presente em diversos setores da economia, e o banqueiro Joseph Safra.

"O capitalismo vai se tornar insuportável de viver, como início do século passado. Todas as revoluções socialistas que ocorreram na primeira parte do século passado foram resultado do próprio capitalismo, que ficou insuportável para os trabalhadores. Agora, ingressamos em uma situação semelhante. Estamos vivendo um modelo capitalista que está ficando insuportável para a maioria da população mundial", salienta o professor, que foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do Ipea entre 2007 e 2011.

Sicsú destaca que o capitalismo pós-Segunda Guerra Mundial da social-democracia europeia conseguiu dar o exemplo de que é possível construir um estado com pacto social para todos, especialmente para os trabalhadores — que surgiu justamente como uma reação ao avanço do projeto socialista da União Soviética. O modelo atual, por sua vez, vai contra este movimento, na direção de reduzir renda e direitos, afetando, portanto, a qualidade de vida da maioria da população.

Em conversa com o Jornal do Brasil por telefone, o professor ressaltou que está em curso no capitalismo um movimento de concentração de renda e de riqueza muito acentuado. De acordo com ele, isto é resultado de lucros elevadíssimos, valorização e especulação imobiliária e da redução de pagamento de impostos por parte dos mais ricos –milionários, bilionários, grandes empresários e multinacionais. 

"Existe um achatamento de pagamento de impostos e elevação de renda dos mais ricos. O resultado é este, a vida está piorando para os trabalhadores em todos os países, mesmo naqueles que têm um capitalismo mais civilizado, como os países europeus, que tiveram um capitalismo civilizado até muito pouco tempo", esclarece o professor da UFRJ.

Para Sicsú, a situação precisa ser revertida não com uma simples mudança de técnica econômica ou de orientação de economistas. É preciso taxar grande fortunas — o que alguns países já fazem, como o Uruguai, a Argentina, a França. Mas é preciso fazer isto de forma global, promover um sistema tributário mais rigoroso no mundo inteiro. 

"É preciso ter uma visão mais ampla de reforma tributária, para enfrentar esta onda de grande concentração de renda e de riqueza no mundo, e no Brasil também, óbvio", esclarece o professor da UFRJ.

Um exemplo seria bloquear a atividade fiscal dos chamados paraísos fiscais, onde se concentra toda a riqueza do mundo. "Quando se deixa de pagar impostos nos países de origem, reduz-se a qualidade de vida dos trabalhadores, da sociedade desses países, porque os tributos que vão para governo se transformam em investimentos em saúde, educação", diz. "Os ricos nunca foram tão ricos como são hoje."

Fórum de Davos e a concentração de riqueza

A Oxfam, na ocasião do lançamento do relatório, pediu o fim da "era dos paraísos fiscais", apontando que nove em cada dez empresas entre "os sócios estratégicos" do Fórum Econômico Mundial de Davos "estão presentes em pelo menos um paraíso fiscal". 

Sicsú acrescenta que a reunião de líderes em Davos é um "encontro da riqueza mundial" para traçar políticas de mais concentração de renda e de riqueza, de reforçar o estímulo à privatizações e à redução de políticas de programas sociais. 

A sociedade, então, indica o economista, precisa realizar um movimento contrário, no sentido de estimular políticas de distribuição de renda e reformas tributárias, e dar uma resposta a políticas sociais e econômicas que prejudicam todos os trabalhadores.

Foto: Reprodução/Jornal Brasil