O economista Mohamed El-Erian, guru dos mercados financeiros internacionais, acredita que os países emergentes terão de navegar, agora, em meio à gradual reversão de um período prolongado de ampla liquidez global. E neste contexto, destaca que o Brasil precisa ser particularmente cuidadoso. “É uma situação que tem a possibilidade de se tornar mais difícil se as condições políticas internas contaminarem a gestão da economia e das finanças”, afirmou o atual chefe da assessoria econômica da Allianz e ex-presidente da Pimco em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo e ao Broadcast (serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado). A seguir, os principais trechos da entrevista.
EUA e China já estão em uma guerra comercial?
Obviamente, este é um momento incerto para as relações comerciais entre EUA e China. A busca legítima pelos EUA de um comércio mais justo, particularmente com menores barreiras não-tarifárias e menor roubo de propriedade intelectual, está sendo feita através de um modo incomum de confronto. Desta forma, existe o risco de que a adoção de tarifas (de um País) contra tarifas (de outra nação) possa levar a uma mais ampla guerra comercial que minará o crescimento global. Suspeito que um desdobramento ruim provavelmente será evitado e que as negociações em boa fé nos levarão a um comercio livre e mais justo.
Qual sua avaliação sobre a reunião do banco central americano na semana passada?
A questão que mais chamou atenção na reunião do Fed não foi tanto a mudança na linguagem de “forward guidance”, o aumento de juros de 0,25 ponto porcentual e a reafirmação da redução do balanço do Fed, mas sim a alteração no sinal do “gráfico de pontos”. Mudou a avaliação da maioria dos membros do Federal Reserve de que o número de altas de juros apropriadas subiu de 3 para 4 em 2018. Suspeito que o Fed subirá os juros mais uma vez neste ano, para um total de 3 aumentos, e provavelmente adotará 2 altas em 2019.
Qual é a tendência internacional do dólar até o final de 2018?
A apreciação adicional do dólar em termos mundiais é provável, pois está relacionada com as políticas e diferenças de juros. O interessante é que a probabilidade da valorização global do dólar poderá persistir até mesmo se a economia global entrar numa guerra comercial. Em comparação a outros países avançados, os EUA são relativamente “fechados” na terminologia de comércio internacional, o que é um reflexo do tamanho, diversidade e endógeno empreendedorismo da sua economia doméstica.
Quais são os impactos para mercados emergentes?
Depois de um prolongado período de ampla liquidez global, as economias emergentes agora têm que navegar em meio a uma gradual reversão dessa maré. E da mesma forma que ocorre uma reação exagerada de alta de preços nestas economias em períodos de ingressos de capitais, incluindo para moedas, há também uma reação exagerada de redução de preços quando há saídas de recursos internacionais. A categoria de ativos de mercados emergentes é estruturalmente vulnerável para tais movimentos. E isso ocorre porque recursos de fundos que eu chamo de “dólares turistas” superam muito os capitais dedicados que entendem bem esta classe de ativos e estão melhor posicionados para navegar a inevitável volatilidade. Ou, de outra forma, quando comparado a residentes, os turistas são propensos a reagir de forma excessiva para fatos não antecipados mesmo quando são temporários e reversíveis. Esse é um ambiente que pode expor as internas vulnerabilidades de alguns países emergentes. Isto pode levar ao emprego ineficiente de grande ingresso de capitais que podem gerar o descasamento de moedas em balanços de empresas, vulnerável maturação do perfil de dívidas, grandes déficits gêmeos e proteção insuficiente de reservas internacionais. Basta olhar para o que ocorreu com a Argentina e Turquia para ter uma noção sobre esta questão.
Como o senhor avalia o caso específico do Brasil no curto prazo?
Tudo isto foi afirmado para dizer que o Brasil precisa estar particularmente cuidadoso ao navegar no atual contexto internacional mais fluido e com maiores desafios. É uma situação que tem a possibilidade de se tornar mais difícil se as condições políticas internas contaminarem a gestão da economia e das finanças. Felizmente, autoridades do governo, incluindo no Banco Central, têm grande experiência e conhecimento.
Estadão Conteúdo // ACJR