O desembargador Néviton Guedes, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1), com sede em Brasília, derrubou a decisão do juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, que havia suspendido a permissão de funcionamento do Instituto Lula (leia mais abaixo o que disse o advogado do ex-presidente).
No despacho, Ricardo Leite havia justificado que, mesmo que o instituto do ex-presidente desenvolva projetos de cunho social, há indícios "veementes" de "delitos criminais" que podem ter sido iniciados ou instigados na sede da entidade, em São Paulo.
Na avaliação do desembargador Néviton Guedes, não ficou demonstrado como a suspensão das atividades do instituto poderia impedir as supostas atividades ilícitas apontadas pelo juiz. Além disso, para Guedes, a suspensão seria "totalmente inadequada para atingir o fim pretendido".
Néviton Guedes destacou, ainda, que a suspensão ultrapassou a esfera de Lula e impôs restrições a terceiros, uma vez que o instituto é pessoa jurídica e está fora da ação penal. Para o desembargador, impedir as atividades da entidade "cerceia a liberdade de ir e vir" do ex-presidente, uma vez que "estaria impedido de comparecer ao estabelecimento em que trabalha, por meio do qual aufere renda".
"Existe também ausência de congruência na fundamentação, uma vez que não se descortina, com lógica e clareza, em que a suspensão das atividades do instituto poderiam impedi-lo [Lula] de ter contato com outras pessoas e, em qualquer outro local, desenvolver as atividades que o magistrado [Ricardo Leite] suspeita serem ilícitas", acrescentou o desembargador.
Advogado de Lula
Logo após o desembargador suspender a decisão do juiz, o advogado do ex-presidente Lula, Cristiano Zanin Martins, divulgou vídeo no Facebook no qual disse que a decisão do tribunal é "muito bem fundamentada", que apresenta "relevantes fundamentos jurídicos" e demonstra não ser possível determinar o encerramento das atividades do instituto sem "base legal".
"É uma decisão que, sem dúvida, significa um passo importante para restabelecer o estado de direito e também para colocar um obstáculo nesta perseguição incrível que está sendo feita em relação ao ex-presidente Lula através de diversas acusações frívolas e infundadas", declarou o advogado (relembre a suspensão das atividades do instituto no vídeo abaixo).
Entenda o caso
De acordo com a força-tarefa da Operação Lava Jato, a construtora Odebrecht adquiriu um terreno em São Paulo para que o Instituto Lula construísse uma nova sede em troca de contratos firmados pela empreiteira com a Petrobras. A nova sede, porém, não saiu do papel.
Ao suspender as atividades do instituto, na semana passada, o juiz Ricardo Leite relatou ao longo do despacho que, ao depor à Justiça Federal, o próprio Lula comentou que o instituto já foi alvo de fiscalização da Receita Federal.
Soares Leite acrescentou, entretanto, que, no mesmo depoimento, o ex-presidente não comentou que teria ocorrido, pelo menos, uma operação atípica que levou o Fisco a suspender a isenção fiscal da entidade referente ao ano de 2011 por suspeita de desvio de finalidade.
Além disso, os técnicos da Receita contestaram, segundo o juiz, doações de duas entidades sem fins lucrativos que, juntas, destinaram R$ 1,5 milhão ao Instituto Lula entre 2013 e 2014.
Ainda segundo o juiz, Lula também mencionou em depoimento que chamava pessoas para conversar na sede do instituto para discutir assuntos que não tinham relação com assuntos sociais. O magistrado destacou que essas conversas com aliados ocorriam no instituto "sem qualquer agendamento" ou "transparência em suas atividades".
Na avaliação do juiz, há indícios abundantes de que o Instituto Lula se trata de um local com "grande influência no cenário político do país" e que várias "tratativas" que ocorreram na sede da entidade geraram "várias linhas investigativas".
"Não se sabe o teor do que ali foi tratado, mas, por depoimentos testemunhais (mais especificamente o depoimento [do ex-presidente da construtora OAS] Léo Pinheiro prestado perante a Vara Federal em Curitiba), bem como o de várias investigações em seu desfavor, há veementes indícios de delitos criminais (incluindo o descrito nesta denúncia) que podem ter sido iniciados ou instigados naquele local", enfatizou.
Versão do instituto
Na semana passada, após a decisão de Ricardo Leite, o Instituto Lula divulgou nota à imprensa na qual reafirmou ter uma história de 26 anos "dedicados a apoiar a transformação da sociedade brasileira, superar a desigualdade, promover o desenvolvimento e apoiar a construção da democracia no Brasil e no mundo."
Em outro trecho, ressaltou que, na mesma casa onde funciona há mais de duas décadas, surgiram projetos que resultaram em programas como Fome Zero, Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Luz Para Todos.
"Em agosto de 2011, o Instituto Cidadania passou a se chamar Instituto Lula e continuou funcionando no mesmo endereço. Como Instituto Lula, promoveu debates públicos dentro e fora do país, reuniu estudiosos, acadêmicos, sindicalistas, empresários, jovens, religiosos, embaixadores, artistas, técnicos e produtores culturais, ativistas de redes sociais, blogueiros, jornalistas, representantes de movimentos sociais, de ONGs e dirigentes, além de autoridades e governantes do Brasil e de muitos outros países", dizia a nota.
"O Instituto compartilhou sua produção com a sociedade em eventos, publicações e com ferramentas de educação e pesquisa como o Memorial da Democracia e o Brasil da Mudança", concluia.
Reprodução/G1