Após ficar dois anos e meio atrás das grades, o empresário Marcelo Odebrecht deixa a prisão no próximo dia 19. De acordo com a Folha, não há, porém, o menor clima na empresa para festejar a saída de Marcelo, que ficará em prisão domiciliar por dois anos e meio. O ambiente, de acordo com executivos e delatores ouvidos pela Folha, é de preocupação.
Conforme a publicação, pessoas com acesso ao empresário na prisão afirmam que ele se mostra insatisfeito com um acordo cujo resultado considera extremamente injusto, principalmente no que se refere à sua participação no pagamento de propina. Há o temor de que aponte omissões e imprecisões no acordo, tema frequente de conversas de quem o visita em Curitiba. No período em que está preso, o ex-presidente da Odebrecht rompeu com o diretor jurídico do grupo, Adriano Maia, com a irmã, Mônica, com o cunhado, Maurício Ferro, que também é diretor no grupo, e com a mãe, a quem era muito ligado. Com o pai, Emílio Odebrecht, presidente do conselho do grupo, ele já havia brigado antes mesmo de ter sido preso, em junho de 2015.
A prisão e o acordo de delação ampliaram o fosso entre pai e filho. A delação da Odebrecht, que envolveu 77 executivos, foi arquitetada por Emílio, que via nesse instrumento a única maneira de salvar os negócios da falência. Não foi bem um acordo, segundo Theo Dias, advogado que coordenou o processo, mas uma "rendição".
Segundo a editoria Poder, da Folha, depois que aderiu ao acordo, Marcelo tem sido perfeccionista com os relatos e criticado em interrogatórios o que considera imprecisões, erros e mentiras. Ele terá de ficar afastado da gestão do grupo, uma imposição do acordo, mas pode falar do que julga serem impropriedades da delação em audiências na Justiça. A preocupação dos executivos deriva de intervenções de Marcelo em ações penais que contrariam depoimentos dos acordos de delação. Ele diz que foi injustiçado em três casos em que é réu: o do sítio de Atibaiacuja propriedade é atribuída a Lula, processos envolvendo a Petrobras e a ação que tem como foco o empresário Taiguara Rodrigues, sobrinho da primeira mulher de Lula.
Marcelo diz que jamais se envolveu com questões relacionadas ao sítio. Segundo ele, foi seu pai quem decidiu bancar o mimo para Lula, e quem cuidava dos pagamentos era Alexandrino Alencar, executivo da construtora. Lula nega que seja dono do imóvel e que tenha recebido benefícios da Odebrecht, da OAS e do empresário José Carlos Bumlai durante a reforma. Nos processos da Petrobras, Marcelo tem repetido que não tinha ingerência nesses negócios, versão confirmada por dois diretores da Odebrecht que cuidavam desses contratos: Marcio Faria e Rogério Araújo.
Na ação de Taiguara, executivos da Odebrecht em Angola disseram à Justiça que Marcelo não teve participação no esquema que teria beneficiado o familiar de Lula. O ex-presidente do grupo também reclama que executivos da Odebrecht Ambiental, que atua com coleta de lixo, omitiram fatos no acordo. Há ainda casos de delatores que, segundo Marcelo, não deveriam estar no acordo porque não eram os responsáveis pelo suborno.
O clima de desconforto na empresa já levou um executivo tido como extremamente talentoso a pedir para sair do grupo. Trata-se de Paulo Cesena, ex-presidente da Odebrecht Transport. Cesena quer tanto deixar a Odebrecht que pediu para antecipar o cumprimento de pena, o que foi aceito pela Justiça. Ele era um dos 26 entre os 77 delatores que haviam sido autorizados a continuar na empresa para ajudar na recuperação dos negócios.
OUTRO LADO
Em nota enviada à Folha, a Odebrecht afirma que "fez uma colaboração ampla e definitiva com as autoridades, contendo mais de 900 relatos apresentados pela empresa e 77 executivos". A companhia afirma ainda na nota que "a colaboração se mostra eficaz, comprovada com milhares de documentos, planilhas, recibos e extratos bancários". A empresa também aceitou pagar uma multa de US$ 2,6 bilhões (R$ 8,4 bilhões).
Sobre a decisão de deixar o grupo Odebrecht, apurada pela Folha junto a outros executivos, Paulo Cesena diz, também por meio de nota, que não comenta especulações.
Folha de S.Paulo // AO