Após recomendar a revogação da portaria que modifica as regras de combate ao trabalho escravo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, voltou a criticá-la em sessão do Conselho Nacional do Ministério Público nesta terça-feira, 24. “A portaria fere sobretudo a dignidade humana, e não apenas a liberdade”, disse, em sessão, após dois conselheiros destacarem a atuação do Ministério Público em reação à edição da portaria do Ministério do Trabalho, datada do dia 16 de outubro.
Dodge ressaltou a importância de combater o trabalho escravo como uma política pública. “Não pode haver aquilo que estamos vendo que essa portaria promove, que é um retrocesso dessa política pública”, disse.
Na semana passada, a procuradora-geral havia encaminhado uma recomendação ao Ministério do Trabalho pedindo a revogação da portaria, alegando que ela contraria o Código Penal, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e decisões de instâncias internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, além de enfraquecer a Lei de Acesso à Informação.
“Realmente encaminhei ao Ministério Público a recomendação conjunta do Ministério Público e do Ministério Público do Trabalho que assinalava que a adoção da portaria viola a lei penal brasileira, sobretudo o artigo 149. Eu acrescentei um outro argumento que é aquilo que me parece mais substantivo. A portaria fere sobretudo a dignidade humana e não apenas a liberdade”, disse ela.
De acordo com a procuradora, a portaria peca por tratar “apenas da liberdade de ir e vir”. “Há ofensa não apenas à lei, mas a dois artigos da Constituição Brasileira”, destacou Dodge. “O tema é muito importante porque o Brasil vem de ser condenado na Corte Interamericana de Diretos Humanos no caso da Fazenda Verde”, disse.
O comentário foi feito após dois conselheiros mencionarem o posicionamento do Ministério Público sobre o tema. Sebastião Veira Caixeta fez um registro parabenizando a atuação pronta do MP e do MPT em relação à portaria do trabalho escravo.
Outro conselheiro, Valter Shuenquener de Araújo, reforçou esse entendimento e, além do Ministério Público, destacou que a Clínica de Direitos da UERJ fez um trabalho que permitiu ao partido Rede apresentar ao STF uma ação contra a portaria.
Sobre a ação enviada ao Supremo, Dodge disse que há um precedente no Supremo no sentido de que é possível arguir a inconstitucionalidade de uma portaria da Constituição.
A portaria determina, entre outras coisas, que a inclusão de empresas na “lista suja” do trabalho escravo depende de ato do ministro, o que tira autonomia da área técnica. Ela também muda procedimentos de fiscalização, tornando mais difícil a comprovação do ilícito.
Estadão Conteúdo (AO)