A Polícia Federal solicitou nesta segunda-feira, 26, ao Tribunal de Contas da União (TCU), acesso a um processo em tramitação no tribunal em que foram identificados “fortes indícios de ilegalidade” em normas previstas pelo Decreto dos Portos, que foi assinado pelo presidente Michel Temer em 2017 e alterou regras do setor portuário.
O pedido partiu do delegado Cleyber Malta Lopes, o condutor na PF do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura se houve crimes como corrupção passiva e ativa e lavagem de dinheiro em torno da edição do decreto. Temer é um dos alvos da investigação no Supremo junto com o ex-assessor especial da Presidência, Rodrigo Rocha Loures, o presidente da Rodrimar, Antônio Celso Grecco, e o diretor da Rodrimar Ricardo Mesquita.
Uma das constatações do relatório do TCU é a de que o decreto dá margem para um possível beneficiamento de empresas com contratos anteriores a 1993 no setor portuário. Essa informação contraria uma das alegações apresentadas de Michel Temer, de que empresas que conseguiram concessões antes de 1993 – como, por exemplo, a Rodrimar – não poderiam ser beneficiadas.
Uma das preocupações reveladas no relatório é, devido ao decreto, que o prazo de vigência de contratos já assinados seja prorrogado além do que seria permitido pela legislação.
“A alteração dos contratos de arrendamento portuário para majorar o prazo máximo de vigência após a assinatura das avenças pode infringir o princípio da isonomia da licitação e vai de encontro às condições do edital de convocação dos contratos já celebrados, havendo, portanto, no caso concreto, indícios graves de inconstitucionalidade do Decreto 9.048/2017 no que tange à possibilidade de majoração dos prazos máximos de vigência das contratações em apreço”, diz o relatório.
O relatório afirma que o Decreto dos Portos “contempla disposições normativas com fortes indícios de ilegalidade, (…) e com base nas novas regras trazidas pela norma infralegal poderão ser assinados mais de cem termos aditivos a contratos de arrendamento portuário, cristalizando direitos e trazendo novas relações jurídicas viciadas do ponto de vista da legalidade”.
As informações fazem parte de um relatório de acompanhamento de uma unidade técnica do TCU, a Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária (SeinfraPortoFerrovia), assinado em 30 de novembro. O processo ainda será analisado pelo plenário do Tribunal, sem data definida.
Segundo o relatório, a lei de 2013 que regula as atividades desempenhadas pelos operadores portuários não autoriza a alteração de cláusulas essenciais de contratos de arrendamento já firmados. A conclusão do relatório é que o Decreto dos Portos “operou ultra legem (além do que é permitido pela legislação), e ainda, na medida em que possibilita a extrapolação dos prazos máximos originalmente desses contratos, atua contra legem (contrariamente à lei)”.
Procurada pela reportagem, a Rodrimar disse, por meio da assessoria de imprensa, não ter comentários a fazer sobre o relatório do TCU. A assessoria de imprensa do Planalto, contatada, ainda não respondeu.
No Supremo, o caso tramita sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que já autorizou quebra de sigilo bancário do presidente Michel Temer.
Liminar negada
Na instrução do processo, a secretaria chegou a pedir que o TCU determinasse que o MTPA não assine termos aditivos de adaptação dos contratos de arrendamento portuário às regras do Decreto dos Portos. A alegação foi de risco de afronta a princípios que regem a administração pública. Mas o ministro relator no TCU, Bruno Dantas, negou conceder uma liminar neste sentido, em decisão do dia 8 de janeiro.
A unidade técnica havia apontado “iminência da prática de atos com potenciais irregularidades graves pelo MTPA, consubstanciados na ameaça de celebração de termos aditivos de adaptação de contratos de arrendamento portuário que têm o condão de alterar significativamente suas cláusulas essenciais, com risco de afronta aos princípios que regem a Administração Pública e que podem trazer insegurança jurídica ao setor, consoante os fundamentos a seguir elencados”.
O ministro explicou que decidiu indeferir a medida cautelar porque o Ministro de Estado dos Transportes, Portos e Aviação Civil comprometeu-se a não promover a assinatura de termos aditivos de adaptação contratual até que o TCU analise no mérito o processo.
O relator no TCU ainda permitiu que a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) tenha acesso ao conteúdo.
Estadão // ACJR