A Odebrecht apontou à Lava Jato dois nomes como sendo os operadores de R$ 23 milhões repassados pela empreiteira via caixa dois à campanha presidencial de José Serra, hoje chanceler, na eleição de 2010.
A empresa afirmou ainda que parte do dinheiro foi transferida por meio de uma conta na Suíça.
O acerto do recurso no exterior, segundo a Odebrecht, foi feito com o ex-deputado federal Ronaldo Cezar Coelho (ex-PSDB e hoje no PSD), que integrou a coordenação política da campanha de Serra.
O caixa dois operado no Brasil, de acordo com os relatos, foi negociado com o também ex-deputado federal Márcio Fortes (PSDB-RJ), próximo de Serra.
Os repasses foram mencionados por dois executivos da Odebrecht nas negociações de acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, e a força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba.
Um deles é Pedro Novis, presidente do conglomerado de 2002 a 2009 e atual membro do conselho administrativo da holding Odebrecht S.A. O outro é o diretor Carlos Armando Paschoal, conhecido como CAP, que atuava no contato junto a políticos de São Paulo e na negociação de doações para campanhas eleitorais.
Ambos integram o grupo de 80 funcionários (executivos e empregados de menor expressão) que negociam a delação. Mais de 40 deles, incluindo Novis e Paschoal, já estão com os termos definidos, incluindo penas e multas a serem pagas. Falta apenas a assinatura dos acordos, prevista para ocorrer em meados de novembro.
A Folha revelou em agosto que executivos da Odebrecht haviam relatado à Lava Jato o pagamento de R$ 23 milhões (R$ 34,5 milhões, corrigidos pela inflação) por meio de caixa dois para a campanha de Serra em 2010, quando ele perdeu para a petista Dilma Rousseff.
Foi a primeira menção ao nome do político tucano na investigação que apura esquema de desvio de recursos na Petrobras.
Para corroborar os fatos relatados, a Odebrecht promete entregar aos investigadores comprovantes de depósitos feitos na conta no exterior e também no Brasil.
Segundo informações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a empreiteira doou oficialmente em 2010 R$ 2,4 milhões para o Comitê Financeiro Nacional da campanha do PSDB à Presidência da República (R$ 3,6 milhões em valores corrigidos).
Os executivos disseram aos procuradores que o valor do caixa dois foi acertado com a direção nacional do PSDB, que depois teria distribuído parte dos R$ 23 milhões a outras candidaturas.
Segundo a Folha apurou, os executivos afirmaram também que o pagamento de caixa dois não estava vinculado a nenhuma contrapartida.
Pedro Novis e José Serra são amigos de longa data. O tucano é chamado de "vizinho" em documentos internos da empreiteira por já ter sido vizinho do executivo. O ministro também era identificado como "careca" em algumas ocasiões.
O nome de Serra é um dos que apareceram na lista de políticos encontrada na casa do presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o BJ, preso durante a 23ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Acarajé, em fevereiro deste ano.
Benedicto Júnior também está entre os delatores e fechou o foco de sua colaboração com os investigadores.
Os depoimentos dos funcionários da Odebrecht começarão após a assinatura dos acordos de delação.
Depois de finalizados, o material será encaminhado ao relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Teori Zavascki, para homologação.
OPERADORES
Atualmente filiado ao PSD, o empresário Ronaldo Cezar Coelho foi um dos fundadores do PSDB nos anos 80, tendo presidido o partido no Rio de Janeiro.
Durante os mais de 20 anos em que permaneceu na sigla, elegeu-se deputado federal pelo Estado, despontando como um dos políticos mais ricos da Câmara.
É amigo de José Serra e chegou a emprestar seu avião particular para o tucano usar durante a eleição de 2010.
Devido ao bom trânsito no mercado financeiro, teria atuado também como "tesoureiro informal", segundo participantes do comitê eleitoral.
Já Márcio Fortes é conhecido como homem forte de arrecadação entre o tucanato por causa da boa relação que mantém com empresários.
Ele atuou nessa área em campanhas de Fernando Henrique Cardoso à Presidência, na década de 1990, na campanha de 2010 de Serra e na de 2014 de Aécio Neves, todos do PSDB.
OUTRO LADO
Procurado para se manifestar sobre as informações dadas pela Odebrecht à Lava Jato, o ministro de Relações Exteriores, José Serra (PSDB), disse, por meio de sua assessoria, que "não vai se pronunciar sobre supostos vazamentos de supostas delações relativas a doações feitas ao partido em suas campanhas".
"E reitera que não cometeu irregularidades", afirmou.
O empresário Ronaldo Cezar Coelho declarou que não comentará o assunto até ter acesso aos relatos feitos pelos executivos da empreiteira que citam o seu nome.
Por meio de seu advogado, o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Cezar Coelho afirmou que participou da coordenação política da campanha de José Serra à Presidência, em 2010, na qual o tucano foi derrotado pela afilhada política do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff (PT).
No entanto, Cezar Coelho negou que tenha feito arrecadação para o tucano.
"Como fundador do PSDB, Ronaldo Cezar Coelho participou de todas as campanhas presidenciais da sigla", disse Mariz de Oliveira.
Em agosto, quando a Folha publicou que a Odebrecht relatou o pagamento de R$ 23 milhões via caixa dois, José Serra disse que a campanha de 2010 foi conduzida de acordo com a legislação eleitoral em vigor.
Afirmou ainda que as finanças de sua disputa ao Palácio do Planalto foram todas de responsabilidade do seu partido, o PSDB, e que ninguém foi autorizado a falar em seu nome.
"A minha campanha foi conduzida na forma da lei e, no que diz respeito às finanças, era de responsabilidade do partido", escreveu em nota na época.
A reportagem tentou contato com o ex-deputado Márcio Fortes por meio de telefone celular e de sua empresa, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.
A Odebrecht afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não irá se manifestar sobre a reportagem.
Desde que a empresa passou a negociar acordos de colaboração premiada e leniência (espécie de delação da pessoa jurídica), em março deste ano, ela deixou de se pronunciar publicamente sobre fatos investigados na Lava Jato ou que serão relatados por seu funcionários.
A expectativa de envolvidos nas negociações é que a assinatura dos acordos de delação ocorram em meados de novembro e a homologação deles seja realizada até o final do ano.
Nas conversas preliminares da Lava Jato com a Odebrecht, além de Serra, vários políticos foram mencionados, entre eles o presidente Michel Temer, os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, governadores e parlamentares. Todos os citados negam a prática de irregularidades.
Reprodução: Folha