O médico Luciano Roberto Afonso foi indiciado por omissão de socorro ao entregador Darlan Ernestino da Silva Santos, de 34 anos, que morreu após sofrer um acidente, em Goiânia. Imagens mostram o profissional sentado de costas para o paciente dentro da ambulância (assista acima). Segundo Polícia Civil, ele também vai responder pelo crime de injúria, em razão de ofensas contra uma enfermeira que participou da ocorrência.
O G1 entrou em contato com o médico, na manhã desta sexta-feira (3), mas ele disse que não vai falar sobre o caso por telefone e que pretende se pronunciar, posteriormente, na presença do advogado Humberto Macchione, que o defende. A reportagem também tentou contato com o advogado, mas as ligações não foram atendidas até esta publicação.
O acidente com o entregador aconteceu às 5h50 de domingo (29) e foi registrado por câmeras de segurança (veja vídeo no final da reportagem). A vítima foi socorrida e encaminhada ao Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), mas não resistiu
Após a morte, houve a denúncia sobre a omissão de socorro do médico. Uma enfermeira do Corpo de Bombeiros, que também participou da operação, falou à polícia sobre a conduta irregular do profissional e que ele a ofendeu quando ela tentou alertá-lo sobre a necessidade de atendimento à vítima.
No termo de declaração, a enfermeira alega que, após Darlan ser colocado no carro dos bombeiros, perguntou por que o médico não se viraria para o paciente, ao passo que ouviu a seguinte resposta: "Era só o que me faltava, essa hora da madrugada enfermeira me dizer o que eu tenho que fazer. É um absurdo e vai se f…".
Na quinta-feira (2), outros dois funcionários que estavam dentro da ambulância também foram ouvidos pela delegada Nilda Andrade, responsável pelo caso na Delegacia Estadual de Investigações de Crimes de Trânsito (Dict). Segundo ela, ambos confirmaram que houve a omissão de socorro por parte do médico.
Uma das testemunhas ressaltou que, como o médico não estava de frente para o entregador, não podia ver o monitor com os batimentos cardíacos. Segundo o relato, nos cinco minutos do trajeto entre o local do acidente e o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), o estado do paciente só piorou e, já na porta da unidade, ele teve a primeira parada cardiorrespiratória.
Para a delegada, se o médico tivesse entubado o paciente, ele teria tido mais chances de sobreviver. “Como ele ficou de costas e assim não o fez, automaticamente ele era o garantidor daquela vítima naquele momento. Do estado de saúde dela. Uma vez que ele [médico] não adotou essa postura, de não socorrer a vítima, ele passou a responder pelo crime de omissão de socorro”, explicou.
Segundo Nilda, as penas previstas para os crimes de omissão de socorro e injúria, se somadas, podem chegar a dois anos de prisão. “Também remetemos cópias do indiciamento para a Controladoria de Governo e para o Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego), que também investiga a conduta do profissional. Ele deve responder a um processo disciplinar, onde poderá ser aplicada a suspensão ou até a demissão, com base no Estatuto dos Servidores Civis do Estado de Goiás”, ressaltou a delegada.
O Cremego já havia informado que apura a conduta do médico, que pode ter a licença cassada. “Se houver indício de infração ética, pode culminar numa pena que vai desde uma advertência até a possível suspensão ou cassação do registro profissional”, afirmou o presidente do órgão, Leonardo Reis, em entrevista à TV Anhanguera.
O G1 entrou em contato com a assessoria de imprensa do Cremego, na manhã desta sexta-feira (3), que informou que o caso segue em apuração no órgão.
Já a Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou que soube da atitude do médico pelos funcionários da ambulância, que presta socorro junto ao Corpo de Bombeiros. O profissional foi afastado temporariamente e pode perder o cargo dependendo do resultado da investigação.
Depoimento
Ao ser questionado pela Polícia Civil sobre ficar de costas para o paciente, em sua oitiva, o médico disse que "a cadeira é giratória e contava que o oxímetro de pulso iria avisar se o paciente piorasse".
Em seu depoimento, Luciano salientou que não atendeu à solicitação da enfermeira para controlar a respiração de Darlan porque entendeu que "naquele momento não havia necessidade de abordar a via área porque havia decidido realizar o procedimento no Hugo".
Ele alegou ainda que uma atitude diferente "provavelmente não evitaria" a morte do homem. Sobre as ofensas, o médico afirmou que não "iria discutir o caso com a enfermeira", que não se lembra de ter xingado a mulher e admite que, em certo momento, falou que "estava na hora dela ficar calada porque estava tumultuando o atendimento".
Segundo a delegada, o médico admitiu que poderia ter feito os procedimentos na ambulância. "Ele reconhece que poderia ter adotado o procedimento diferente no percurso, mas alega também que não afetaria a questão do resultado. Que a vítima era muito grave e que ela poderia ir a óbito de toda forma", destaca.
Reincidência
Segundo a delegada, o médico já foi investigado por um caso parecido. "Em 2013, esse mesmo médico foi indiciado por uma conduta semelhante no Cais Cândida de Morais", disse Nilda.
A vítima em questão era o adolescente Elismar Rodrigues, de 15 anos, que havia sido baleado. A mãe do rapaz, Simone Pinheiro, disse que o médico é o culpado pela morte do filho.
"A minha dor maior é de saber que ele estava ali pedindo socorro, pedindo para não deixar ele morrer. Ele desmaiava e voltava, pedindo para não o deixar morrer. Ele pedia, ele implorava e o doutor Luciano não fez nada”, recorda.
Acidente
Darlan foi atingido logo após sair para fazer a primeira entrega da panificadora em que trabalhava. As câmaras registraram que o carro passou em alta velocidade no cruzamento da Rua 15 com a Avenida D e atingiu o motociclista, o arrastando por vários metros.
Em seguida, o veículo desgovernado bate a traseira contra o corrimão de uma loja e o hidrômetro, que estourou. Partes dos veículos ficaram espalhadas no local. Ainda não é possível afirmar qual motorista não parou no semáforo.
O carro foi encontrado em uma concessionária. A situação do automóvel chamou a atenção dos funcionários. “Bater o carro na lateral, de fora a fora, é uma batida meio estranha. Não é comum você ver um carro batido dessa forma aqui”, afirmou o gerente Alessandro Gonçalves.
Segundo a Dict, o motorista fugiu do local sem prestar socorro à vítima. O advogado do motorista Gabriel Ribeiro Júnior, de 26 anos, que dirigia o carro que atingiu a vítima, disse que o cliente não atravessou o sinal vermelho no momento do acidente e não prestou socorro à vítima porque teve medo.
Sobre o inquérito que apura a conduta do motorista, a delegada disse que ele segue em andamento. “Nesse caso a investigação é mais demorada, pois dependemos de alguns laudos para atestar as causas do acidente. Também ainda precisamos ouvir mais algumas testemunhas”, explicou Nilda.
Reprodução/G1