Chefes da facção criminosa PCC comandaram ações pelo país —de tráfico de drogas a homicídios de rivais— por meio de telefonemas feitos até mesmo dentro de duas prisões com bloqueadores de celular, em São Paulo e em Mato Grosso do Sul.
A revelação, que levanta questionamentos sobre a eficácia de sistemas para barrar a comunicação de detentos, consta de denúncia apresentada pela Promotoria no início deste mês, fruto da operação Echelon (do grego escalão), contra 75 pessoas suspeitas de ligação com a facção.
A investigação teve início com a apreensão pela Secretaria da Administração Penitenciária paulista de uma série de bilhetes que a cúpula do Primeiro Comando da Capital, presa em Presidente Venceslau (interior de São Paulo), pretendia enviar para subalternos espalhados país afora.
A partir daí, de acordo com a Promotoria, dezenas de criminosos foram flagrados em conversas telefônicas realizadas no ano passado dentro e fora de prisões em 14 estados, para tratar de tráfico e homicídios de agentes públicos.
Entre elas estavam a penitenciária de Valparaíso (a 564 km da capital paulista) e um presídio de segurança máxima em Campo Grande —ambos equipados com bloqueadores de sinal de celular.
Em São Paulo, a gestão Márcio França (PSB) disse que abriu uma investigação sobre esse caso. O governo de Mato Grosso do Sul, sob gestão Reinaldo Azambuja (PSDB), diz que tem feito ações para combater “crimes ordenados de dentro de presídios”.
Em São Paulo, atualmente 23 das 169 unidades prisionais têm bloqueadores de celular —outras cinco prisões serão equipadas ainda este ano.
Os atuais equipamentos foram instalados em 2014, com investimento do estado próximo de R$ 30 milhões e depois de sete anos de testes feitos com sistemas que pudessem não ficar desatualizados devido à evolução das tecnologias disponíveis no mercado.
O modelo implantado, diz a gestão França, impede rede wi-fi e prevê que os aparelhos fiquem sem sinal das operadoras, fazendo com que não seja possível realizar ligações telefônicas. O contrato estabelece que novas frequências ou tecnologias serão implementadas sem custo ao estado.
As intercepções telefônicas flagraram conversas, no presídio de Valparaíso, de Douglas dos Santos, conhecido como Periferia, apontado como responsável do PCC por ações criminosas no Tocantins e Sergipe, segundo a denúncia do promotor Lincoln Gakiya.
“O preso falar ao celular é algo grave, não há dúvidas. Ainda que fossem conversas com os familiares, mas eles usam isso daí para dar ordens, receber, todo o cotidiano do crime organizado. Precisa ser combatido, realmente”, disse o promotor à Folha, que afirma ver, em São Paulo, o trabalho contínuo para combater o uso de celular em prisões.
No presídio de segurança máxima de Campo Grande, também aparelhado com bloqueador de celular, foram detectados telefonemas de Carlos Henrique dos Santos Costa, conhecido como Paraguai, que aparece negociando drogas no Paraguai.
A Folha ouviu de integrante do sistema prisional em MS relatos de tecnologia ultrapassada que bloquearia só telefones com tecnologia 3G.
A denúncia apresentada pelo Ministério Público contra suspeitos de elo com a facção criminosa PCC também destaca interceptações telefônicas de Flávio Henrique Breve, que seria responsável, além de outros crimes, pelo envio de armas para Santa Catarina “como forma de contribuir para a guerra entre facções”.
Segundo informações passadas por policiais à Promotoria, ele estaria na ocasião na penitenciária de Mirandópolis (594 km da capital paulista), também com sistema instalado de bloqueador de celular.
Neste caso, porém, a gestão Márcio França diz se tratar de um equívoco, porque os registros internos indicariam que ele estava no presídio de Pacaembu, que não é equipado.
A Secretaria da Administração Penitenciária diz ainda que outras investigações serão abertas para apurar o uso de celulares. Uma delas é justamente sobre a prisão de Pacaembu, onde a polícia detectou ao menos outros quatro presos, além de Breve, na articulação de ações criminosas por meio de telefonemas.
Na lista de presidiários flagrados falando ao telefone na unidade está Filipe Augusto Soares, conhecido como Assassino, considerado influente chefe do PCC e que exerceria a função de “Geral do Estado do Espírito Santo” —responsável pelo tráfico de drogas e mortes de rivais no estado.
Outro presidiário flagrado em ligações é Wanderniz de Oliveira Júnior, que, da Penitenciária Estadual de Dourados —unidade de segurança máxima, mas sem bloqueadores, ele participava de julgamentos nos chamados “tribunais do crime””.
SP DIZ FAZER TESTES CONTRA BRECHAS; MS CITA VISTORIAS
A Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo diz que está “efetivamente” voltada ao combate ao crime organizado e que a operação Echelon, base da denúncia da Promotoria, teve início por solicitação do próprio secretário da pasta, Lourival Gomes.
Ela afirma ainda ter aberto investigação para apurar os telefonemas em presídio com bloqueador de celular.
A secretaria ligada à gestão Márcio França diz ainda que nas unidades com bloqueadores de sinal “são realizados testes semanalmente para coibir brechas tecnológicas”, trabalho acompanhado por especialista em defesa e segurança da empresa contratada.
“Caso haja identificação de sinais de operadora de telefonia celular, a empresa é imediatamente notificada para tomar as providências necessárias, sendo inclusive multada. Também são realizadas atualizações periódicas do sistema.”
O governo de Mato Grosso do Sul não quis detalhar, alegando “questões de segurança”, as unidades prisionais com bloqueadores de celular.
Questionado, disse que tem realizado “ações importantes na área de inteligência com objetivo de combater a propagação de crimes ordenados de dentro de presídios”.
Ainda segundo a nota, vistorias nas celas têm sido intensificadas, assim como estão sendo construídos novos presídios, contratados agentes e adquiridos equipamentos para coibir a entrada de celulares, como scanners corporais (em fase de licitação).
“O Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul também trabalha com isolamento de lideranças negativas, inclusive com a inclusão no sistema prisional federal”, diz nota.
Folhapress // ACJR