Um homem identificado como Vanderson Oliveira Cardoso, que possui registro de arma como CAC (colecionador, atirador ou caçador), utilizava um esquema com laranjas e falsificação de documentos, para revender armas compradas legalmente.
Ele manipulava informações usando um editor de imagem básico, aproveitando a falha de segurança do sistema que controla os registros. Um dos 'laranjas' utilizados por Vanderson foi o seu compadre, o porteiro Douglas Silva Santos.
Em maio de 2021, Douglas recebeu em sua casa duas caixas enviadas pelo correio, que tinham um fuzil modelo T4, calibre 5,56, da Taurus. Na outra, uma pistola .380, da mesma fabricante.
O que deveria chamar atenção, acabou passando despercebido pela Taurus, fabricante das armas. As duas armas valem mais do que dois anos do salário de R$ 1,2 mil de Santos, e as armas foram enviadas antes do envio dos documentos para certificar a compra.
O porteiro não só não tem CAC, como nunca deu um tiro em sua vida. Todo os documentos enviados posteriormente tinham sido adulterados por Vanderson, que acessava as informações com seu registro, e depois modificava.
Logo após o porteiro receber o carregamento, o armamento era revendido a uma facção criminosa com atuação no Rio de Janeiro e São Paulo.
Pelo menos 24 armas foram compradas pelo atirador e estelionatário somente no primeiro semestre de 2021. Pelo menos 12 delas foram vendidas ilegalmente. Os fuzis, por exemplo, comprados por R$ 11 mil, eram comercializados por quatro vezes o seu valor de mercado.
Quando a Polícia Civil de São Paulo descobriu o esquema, conseguiu avisar a Taurus e impedir o envio de armas que não tinham ainda chegado às mãos dos laranjas.
Pelo menos outras sete pessoas foram identificadas participando do esquema. O porteiro informou que recebeu R$ 500 para receber as encomendas.
O CAC Vanderson Cardoso foi identificado como um dos atiradores, e a Justiça determinou que fosse feita uma busca em sua casa. No imóvel, foram apreendidos um celular, um notebook e notas fiscais de compras de armas em nomes de laranjas, documentos de identidade e um fuzil, modelo T4, da Taurus, registrado em nome de Cardoso. Uma consulta ao Exército revelou que a arma havia sido comprada com documentos falsos — mesmo tendo autorização para comprar um fuzil na época, o CAC fez uso da fraude. No computador do atirador, a polícia encontrou amostras de documentos falsificados e, em seu celular, diálogos para a revenda das armas.
"Havia conversas do Vanderson com dois traficantes de armas que faziam repasses a duas facções no Rio e em São Paulo", conta o delegado Milton Barbosa Filomeno.
O esquema foi possibilitado pela flexibilização na venda e controle de armas no Brasil, implementada pelo governo Bolsonaro. Em quatro anos, cresceu mais de 400% o registro de CAC's no país, que hoje são mais numerosos que o contingente de policiais militares de todo o país.