Em seminário em Brasília sobre “ativismo judiciário”, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que juízes se deixam influenciar pela mídia ao decidir e deixam a lei de lado. Responsável por decisões que retiraram da prisão preventiva uma série de investigados nos desdobramentos da Lava Jato no Rio de Janeiro, Mendes afirmou que “quem decide habeas corpus tem que nadar contra a corrente em determinados momentos”.
“Quem decide reconhecendo direitos, é óbvio que está decidindo a mais das vezes contra a opinião pública. É evidente. Os direitos fundamentais em geral, a sua segurança, a sua garantia, se faz às vezes de forma mal compreendida”, disse Gilmar Mendes no “Seminário Independência e Ativismo Judicial: Desafios Atuais”, promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O ministro afirmou que, ao fazer-se a defesa de direitos de forma conservadora, está-se “protegendo aquele indivíduo que nos apedreja”. Segundo ele, “quando se cria Estado autoritário, com excesso de prisão preventiva, se esquece que a próxima vez será daquela pessoa”.
“Temos que atender a imprensa. O que ela espera de nós. Isso também é uma forma de ativismo. Eu saio da lei e deixo de adotar esses critérios. Por quê? Porque eu tenho que atender essa ânsia. Isso passa a ser um grave problema também. Eu passo a ver para fora, como os outros vão me avaliar. O critério da lei eu já deixei de lado.”
“Nadar contra a corrente não é apenas uma sina nossa, é nosso dever. Se nós estivermos sendo muito aplaudidos porque estamos prendendo muito ou negamos habeas corpus, desconfiemos. Nós não estamos fazendo bem o nosso job (trabalho)”, afirmou.
Segunda instância
Gilmar Mendes citou a Operação Lava Jato como motivo para alterar a jurisprudência do STF que permite à Justiça determinar o início do cumprimento da pena logo após a condenação na segunda instância.
“A prisão em segundo grau, no contexto da Lava Jato, tornou-se algo dispensável. Passou a ocorrer-se a prisão provisória de forma eterna, talvez até com objetivo de obter delação. Aí vem a sentença de primeiro grau, e com sentença de segundo grau iniciava a execução. É preciso saber ler estrelas. Ou se muda isso ou se empodera de maneira demasiada a Justiça de primeiro grau e o MP (Ministério Público) em detrimento das outras cortes”, disse o ministro do STF.
Segundo Gilmar, sem a revisão da prisão em segunda instância, o papel do Supremo e do STJ fica reduzido na garantia dos direitos do cidadão. “Se tem quase uma demissão nossa”, disse Gilmar, sobre o tema.
Opinião
Gilmar Mendes afirmou, também, que “quem muda de opinião de acordo com o interlocutor obviamente não será um bom juiz”. Em outubro, um colega de Mendes no Supremo, o ministro Luís Roberto Barroso, afirmou a ele que “vossa excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu”.
Sobre o tema do “ativismo judiciário”, discussão central do evento, Gilmar Mendes afirmou que “há um erro de conceito quando se imagina que o ativismo é sempre uma mensagem de vanguarda”. “Até porque esse conceito é relacional. Ativismo em relação a que, a que tipo de política? E isso precisa ser colocado em análise. Por outro lado não podemos esquecer a que o nosso lastro, nosso ethos, está na aplicação da lei de forma independente, de forma imparcial”, completou.
Estadão Conteúdo // AO