Em menos de dois meses, o equivalente a mais de 90% das armas apreendidas em todo o ano de 2017 foi destruído no país.
O resultado foi possível graças a um acordo entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Comando do Exército. A parceria promoveu a destruição de quase 110 mil armas entre o fim novembro, quando foi assinada, e dezembro de 2017.
Neste ano, 71 mil foram destruídas até junho. Em todo o período posterior ao acordo, foram cerca de 818 por dia.
A parceria se refere a armamentos atrelados a ações judiciais que já passaram por perícia e não terão mais serventia ao processo. Por lei, elas devem ser encaminhadas para a destruição, responsabilidade dos militares.
Em todo o ano passado, foram destruídas 279,6 mil armas, mais que o dobro do volume apreendido. O levantamento é do Instituto Sou da Paz, com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Em geral, as armas, após serem periciadas, ficam sob responsabilidade do Judiciário. Normalmente são estocadas em fóruns, e guardá-las demanda gastos com segurança e expõe o local a risco de assaltos.
Em São Paulo, ataques aos fóruns de Diadema e Guarujá, no ano passado, fizeram com que o Tribunal de Justiça do estado encaminhasse todos os armamentos em seu poder para depósitos das policias. Nos assaltos, 566 armas foram roubadas.
Em julho, a Folha revelou suspeitas da Polícia Civil de que a facção criminosa PCC estivesse planejando roubar armas de fóruns pelo país.
Segundo o CNJ, houve ao menos outros 11 roubos, em oito estados. Pelo menos 258 armas foram roubadas e duas pessoas morreram.
Desde 2011, uma resolução do órgão já institui que armas sejam encaminhadas à destruição após a realização da perícia. Também é determinado que os tribunais enviem remessas ao Exército ao menos duas vezes ao ano.
Cabe aos juízes liberar as armas para que sejam encaminhadas aos militares e destruídas. Os magistrados, porém, por vezes resistem a fazê-lo.
"Se já chegou a perícia, ninguém contestou o laudo, não há motivos para segurar a arma no processo", diz Bruno Langeani, gerente de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz.
O acordo com o Exército, diz ele, fez toda a diferença. Como o número de servidores dos tribunais é limitado, o apoio militar deu celeridade ao trâmite. Também houve pressão do CNJ para que os TJs se desfizessem do arsenal.
"Em termos de normativo, o acordo não traz [novidade], mas provocou uma mobilização de um dos gargalos, que é gente para operacionalizar e fazer separação [das armas]. Faltava uma liderança para olhar para esse problema. O acordo trouxe isso e é bastante impressionante o desempenho", diz Langeani.
O CNJ afirma não ter um levantamento atual do arsenal em poder da Justiça no país. O último relatório feito pelo órgão, em dezembro de 2010, apontou que havia 755 mil armas, entre brancas e de fogo, sob custódia do Judiciário.
De 2011 a 2017, foram destruídos cerca de 1,2 milhão armas. O número seria mais que suficiente para zerar o estoque se, no mesmo período, não tivessem sido apreendidas outras 870 mil, aproximadamente.
O desafio agora é manter constante o fluxo de destruição, de forma que as armas apreendidas sejam encaminhadas ao Exército no menor tempo possível. Isso reduz a chance de que os armamentos sejam desviados ou roubados.
No ano passado, 121,6 mil armas foram apreendidas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Quase 14 mil armamentos em poder do Estado, contudo, foram perdidos, extraviados ou roubados.
"É muito mais fácil fazer controle, ter rastreabilidade e evitar desvio se o estoque é baixo", conclui Langeani.
Segundo pesquisa Datafolha realizada nos dias 20 e 21 de agosto, 58% da população acredita que a posse de armas deve ser proibida porque ameaça a vida de outras pessoas.
O percentual é maior entre as mulheres (68%) e entre os que recebem até dois salários mínimos por mês (61%).
Na comparação com outros anos, contudo, diminuiu a parcela dos contrários à posse de armas. Em novembro de 2013, eram 68%, e 30% acreditavam que possuir uma arma legalizada deveria ser um direito do cidadão para se defender —neste ano, são 40%.
FLUXO DAS ARMAS EM PODER DO ESTADO
Apreensão – As armas são apreendidas pela polícia e são inicialmente guardadas nas delegacias. Depois, passam por perícia nos institutos de criminalística
Armazenamento – Quando o inquérito policial é concluído, as armas normalmente são enviadas à Justiça e ficam armazenadas em fóruns. Alguns estados, porém, deixam os armamentos em depósitos das polícias
Destruição – O recomendado é que, após a emissão do laudo da perícia, e se não houver contestação pelas partes do processo, as armas seja encaminhadas pelos tribunais ao Exército, responsável pela destruição. Os militares danificam e inutilizam os armamentos, de modo que não tenham mais serventia. Quando há volume suficiente, encaminham os material para siderúrgicas, que derretem e reaproveitam o resíduo
Devolução – Em alguns casos, quando não houver afronta à lei, as armas podem ser devolvidas aos donos. Em certas ocasiões, são doadas às forças de segurança.
Da redação com informações do Folhapress // ACJR