Investigação do Ministério Público Federal (MPF) revela que o empresário Eike Batista, preso na manhã de hoje (8) na Operação Segredo de Midas, manipulou bolsas de valores no Brasil, Canadá, Estados Unidos e Irlanda. Os crimes que teriam sido praticados entre 2010 e 2015 foram explicados pelo procurador da República, Almir Teubl Sanches. As investigações, segundo ele, foram possíveis graças aos acordos de delação premiada firmados com executivos da gestora de recursos Opus Investimento, incluindo o sócio-fundador Eduardo Plass.
"Identificamos os crimes de informação privilegiada e de manipulação de mercado. Esse segundo é um crime ainda muito pouco explorado pela jurisprudência no Brasil. Salvo engano, há apenas duas condenações. É um crime em que a prova é muito difícil por exigir que se identifique uma operação simulada, o que nunca é fácil. A delação premiada traz esse grande benefício que é tornar possível enxergar por dentro uma organização criminosa e o funcionamento das suas engrenagens", diz.
Eduardo Plass foi preso no ano passado na Operação Hashtag, um dos desdobramentos da Lava Jato no Rio de Janeiro. Além de ser sócio-fundador da Opus Investimento, ele é dono do banco Tag Bank e da empresa The Advisor Investiment (TAI), ambos sediados no Panamá. A TAI não possui autorização para gerir recursos de terceiros e funcionar como banco. Ainda assim, a empresa abriu uma conta no banco Credit Suisse, sediado nas Bahamas, e a usou para estruturar uma espécie de banco paralelo onde se administrava contas fantasmas para algumas dezenas de clientes.
Eike foi apontado por Eduardo Plass como o principal cliente. Empresas do grupo do empresário também mantinham contas oficiais no Tag Bank e foram identificadas transação de recursos delas para contas fantasmas administradas pela TAI. Ao fechar o acordo de delação premiada, Plass se comprometeu com o pagamento de R$300 milhões de multa e de entregar US$9,2 milhões de Eike que estariam sob sua custódia.
"Como o TAI não é um banco oficial, as contas que ele operava não eram oficiais, o que permite uma série de ilícitos como lavagem de dinheiro, manipulação do mercado de capitais e uso de informação privilegiada. Por exemplo, alguém que estava formalmente impedido de fazer certas operações no mercado de capitais, seja porque era acionista controlador ou porque estava comprando uma determinada empresa, poderia negociar por meio da TAI. Ela funcionava como uma máscara para que a pessoa atuasse no mercado sem se identificar. A TAI fazia os investimentos como se fossem recursos próprios, mas na realidade eram recursos de terceiros", explica Sanches.
O crime de informação privilegiada ocorre quando um agente opera de forma fraudulenta no mercado de capitais usando informações que ele não poderia usar. Ele cria assim uma concorrência desleal, pois se vale de um conhecimento que não está disponível a todos. No momento em que isso ocorre, cai por terra o princípio básico da igualdade, segundo o qual todos os agentes de mercado devem operar possuindo o mesmo nível de informação.
Um dos casos em que esse crime teria sido praticado envolve o grupo 3G Capital, que comprou em 2010 a rede de fast-foods Burger King. Eike tinha informações privilegiadas do negócio e passou a adquirir ações na Bolsa de Nova Iorque, nos Estados Unidos. "Assim que foi anunciada publicamente a compra, ele vende as ações com lucro bastante alto", diz o Sanches. O caso ainda será melhor apurado mas, de acordo com o procurador, é possível que a 3G Capital tenha sido vítima de Eike.
Já o crime de manipulação se dá com uma interferência direta no funcionamento adequado do mercado: operações simuladas ou manobras fraudulentas são realizadas geralmente por alguém com alto poder econômico, gerando um artificialismo e induzindo investidores na direção de determinada operação. No caso investigado, a compra de ações de certas empresas pela TAI dava a impressão de que aquele era um negócio vantajoso, atraindo outros investidores. No entanto, de acordo com o MPF, era o próprio Eike se escondendo atrás da TAI para adquirir os ativos e passar ao mercado uma imagem positiva dessas empresas.
Houve manipulações identificadas na Bolsa de Toronto, no Canadá, envolvendo as mineradoras Ventura Gold e Galway, que foram compradas entre 2011 e 2012 pela AUX Canada, uma empresa do grupo EBX, de Eike Batista. De acordo com Sanches, foram movimentados cerca de US$70 milhões em cada um desses dois casos e as manipulações ocorreram ainda durante as negociações de aquisição. O objetivo seria conseguir comprar as mineradores por um preço mais baixo e também gerar menos resistência dos acionistas em relação ao negócio.
"No caso da Galway, a fraude chega a tal nível que as ações detidas por Eike por meio da TAI gerariam para a TAI o direito de votar se o preço era justo ou não. E a TAI vota que o preço está justo. Ou seja, é o próprio Eike Batista votando de forma mascarada que o preço que ele estava oferecendo era justo", revela o procurador da República.
Outras manipulações foram identificadas na Bolsa de São Paulo, a Bovespa. Operações fraudulentas foram realizadas entre janeiro e abril de 2013, no valor de R$85 milhões, envolvendo ações da MPX Energia, empresa do grupo EBX. Também houve manipulações em torno de ações da MMX Mineração e Metálicos, também da EBX, no valor de R$30 milhões entre março de 2013 e janeiro de 2015.
Na Bolsa da Irlanda, os crimes envolveram mais uma empresa do grupo de Eike, a OGX. Entre novembro de 2012 e abril de 2013, ele negociou não ações, mas bonds, que são dívidas de longo prazo da empresa. "Ele já estava num contexto de crise nesse momento e estava renegociando a dívida com os detentores dos bonds. Enquanto renegociava, ele ia manipulando os valores dos bonds no mercado".
Agencia Brasil // AO