Após dois anos em recessão, a economia brasileira ainda não tem forças para crescer. Analistas não veem um gatilho capaz de se destacar e puxar a retomada econômica. O corte de juros já começou, porém, em um movimento tímido que, sozinho, não conseguirá mudar o cenário. Apesar da redução, a taxa se mantém elevada, o que dificulta investimentos.
Ao mesmo tempo, famílias e empresas estão endividadas, o que inibe a busca por empréstimos, que poderiam ajudar a estimular a atividade econômica. O reajuste do salário mínimo no início de 2017 pode trazer algum alento, no entanto, a gravidade do desemprego também limita a demanda.
A aprovação de um teto para os gastos públicos é uma sinalização positiva, contudo, não soluciona o desequilíbrio da política fiscal nem abre espaço para investimentos do governo.
— O dilema da economia é que não temos vetores de crescimento. O consumo das famílias está contido pelo desemprego, pelo crédito caro e escasso e pela falta de confiança. Pode até ter melhorado, mas não o suficiente para reverter os demais fatores. Ao mesmo tempo, as empresas estão endividadas e com nível de ociosidade grande. Com a necessidade de controlar gastos, o governo reduz investimentos — afirma Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP e sócio-diretor da MacroSector Consultores.
O setor externo, que vinha sendo apontado como uma das possíveis saídas da crise, se vê limitado pelo baixo crescimento da economia mundial — a projeção do Fundo Monetário Mundial é de 2,7% em 2016 e 2,8% em 2017 — e pela mudança da trajetória do câmbio, com apreciação do real, que volta a encarecer as exportações.
Um dos fatores que podem ajudar na retomada é o programa de concessões para alavancar investimentos em infraestrutura. A questão é que ainda demora para o plano se transformar efetivamente em investimentos. No setor de petróleo, por exemplo, os recursos só começariam a ser aplicados no segundo semestre de 2017, se tudo der certo.
Para Lacerda, a expectativa de retomada este ano está descartada, e a recessão deve ser pior que a estimativa do mercado, hoje de 3,19%, segundo o Boletim Focus, do Banco Central (BC).
— A economia não tem nenhum destaque, não tem força para crescer. É uma situação pior do que em crises anteriores, dada a profundidade da recessão e o estrago no mercado de trabalho e de crédito. O estrago é assustador, não tem mágica — diz o economista-chefe do Banco Fator e professor da FEA/USP José Francisco de Lima Gonçalves.
RISCO POLÍTICO
Sua avaliação é que, diante do atual patamar de juros reais, os investimentos não deslancham. O movimento do Comitê de Política Monetária (Copom), de reduzir a Taxa Selic em apenas 0,25 ponto percentual, o surpreendeu e levou a uma mudança no cenário. Agora, Gonçalves vê um ritmo lento de redução dos juros, o que adia a recuperação da economia.
Ontem, o BC divulgou os dados do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado um sinalizador do Produto Interno Bruto (PIB). O indicador caiu 0,91% em agosto sobre julho, a maior redução mensal desde maio de 2015 (-1,02%). Em julho, a variação tinha sido de 0,02%. Já o Monitor do PIB, calculado pelo Ibre/FGV, recuou 1,61% em agosto, frente a julho. No resultado do trimestre encerrado em agosto, no entanto, caiu 0,35%, abaixo da taxa de 1,05% do trimestre anterior, encerrado em maio.
— A economia terá uma recuperação gradual difícil, não tem milagre. Não existe espaço para uma política monetária agressiva nem estímulos fiscais. O próprio crédito vai ajudar, mas demora — destaca a economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Zara.
Até mesmo o risco político, que se imaginava ter dissipado, pode voltar a aparecer no horizonte, com a prisão do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, afirma que o risco aumenta, o que reforça a necessidade de acelerar o processo de reformas:
— Apesar de todos os problemas, a solução da questão econômica hoje é prioridade, mesmo com o governo sangrando com possível delação do Cunha.
Na quarta-feira, sem mencionar diretamente a prisão de Cunha, o ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, disse se preocupar com o efeito que a Operação Lava-Jato pode ter sobre a classe política e o andamento da agenda econômica no Congresso. E afirmou que os parlamentares precisam continuar a dar prioridade à tramitação da proposta de emenda constitucional (PEC) 241, que fixa um teto para os gastos.
— Eu tenho um pouco de medo disso (a realização de reformas econômicas) acontecendo no meio da Operação Lava-Jato, que agora chega à classe política. Talvez ela já tenha ocorrido em 80% no ambiente empresarial. Mas, do lado político, isso tem consequências difíceis de prever. Mas o Congresso tem que manter a missão de aprovar as reformas — aponta Fraga.
Com um tom mais otimista, Vale afirma que a recuperação não será retumbante e rápida, mas que as reformas permitirão criar as condições para um crescimento sustentado da economia brasileira:
— É preciso ter paciência, esperar e colher os frutos lá na frente — conclui.
Agencia O Globo