Representantes do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), do Ministério Público e da Defensoria Pública estaduais e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO) inspecionaram hoje (3) o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. Localizada na região metropolitana, a unidade foi palco de uma rebelião em que ao menos nove detentos foram mortos e 14 ficaram feridos na última segunda-feira (1).
Acompanhados por representantes da Secretaria de Segurança Pública, da Superintendência de Administração Penitenciária e do comando da Polícia Militar, os integrantes da comitiva vistoriaram as instalações danificadas durante o tumulto e conversaram com presos e diretores da unidade para tentar entender os motivos do confronto entre presos e verificar as condições de cumprimento das penas e de trabalho dos detentos e agentes penitenciários. A vistoria no local foi determinada terça-feira (2) pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, que concedeu 48 horas de prazo para o TJ-GO enviar ao CNJ um relatório sobre as condições do complexo prisional.
Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Serra da Silva Maia, o clima na unidade prisional continua tenso. Maia e o defensor público estadual Rafael Starling informaram à Agência Brasil que presos e diretores do complexo mencionaram a rixa entre membros de grupos criminosos rivais como uma das causas do confronto. Os dois, no entanto, destacaram que, a impossibilidade de muitos presos que já poderiam cumprir a pena em regime semiaberto, deixando a unidade para trabalhar durante o dia e retornando a noite, se beneficiarem da progressão da pena por não encontrarem trabalho, é uma das principais causas de revolta entre os detentos, ao lado da infraestrutura precária e da superlotação do local.
“Os internos relataram tanto o problema de rixa entre os internos, como problemas relacionados à falta de água e de energia elétrica; qualidade da comida”, disse o defensor público Rafael Starling, acrescentando que os presos evitaram fornecer muitos detalhes a respeito da presença da disputa entre membros de facções rivais. “Até por uma questão de segurança, os presos não falam muito sobre essa situação. Eu acredito que esse fator contribui para a eclosão desse tipo de situação, mas sabemos que as péssimas condições para o cumprimento das penas são um problema em todo o país. Uma hora a bomba explode, acarretando perdas de vidas”.
Para o defensor público, o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia foi improvisado para alojar, “em condições precárias”, os presos do regime semiaberto e não tem a mínima condição de abrigar detentos em regime fechado. “Muitos presos acabam cumprindo a pena neste local que não tem estrutura em regime análogo ao regime fechado”.
Starling e Maia concordam que falta programas sociais para a inclusão no mercado de trabalho dos presos que poderiam progredir para o regime semiaberto e que o Poder Público poderia oferecer benefícios às empresas que os contratassem. “Essa mão de obra poderia ser aproveitada pelo próprio Estado. É preciso desenvolver um projeto que contemple essas expectativas, mesmo que isso soe antipático para uma parcela da sociedade”, disse o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO.
Maia lembrou que, ainda em 2015, a seccional da OAB pediu a interdição do complexo prisional por falta de estrutura mínima para acolher presos do regime semiaberto. “Essa precariedade envolve não só a superpopulação carcerária, mas também a falta de assessoramento jurídico e a demora na análise dos processos; as brigas entre grupos; falta de água; insegurança. Tudo isso gera expectativas e decepções que, em determinado momento, acabam eclodindo”, acrescentou Maia, afirmando que, durante o tumulto, muitos presos deixaram o complexo por temer pela própria vida. “Não sou um perito em segurança carcerária, mas aquilo ali não foi criado para ser um presídio e não oferece a segurança esperada. E, hoje, a estrutura está bastante danificada”.
Ainda de acordo com Maia, parte da solução do problema do sistema carcerário goiano passa pela reestruturação do Poder Judiciário no estado. “É preciso criar pelo menos mais duas Varas de Execução Penal para dar conta da demanda, pois o número de presos vem crescendo e os investimentos na estrutura do Poder Judiciário não acompanham esta evolução”.
Estadão Conteúdo // AO