As mãos que folheiam as páginas dos livros parecem segurar um espelho. Mas não é apenas um reflexo de si. As mãos e olhos adolescentes percorrem letras e palavras que descortinam imagens e janelas para o mundo. Com Samile, de 15 anos, foi assim. “A gente aprende sobre racismo estrutural, sobre a desigualdade social, sobre necropolítica. Quando eu descobri que este clube era de leitura de autores negros, tive uma expectativa ainda maior”, diz a menina leitora, moradora da comunidade quilombola Barro Preto, na cidade de Jequié (BA), a 370 quilômetros de Salvador.
Foi na escola estadual Milton Santos que nasceu o projeto escolar Clube de Leitura Preta. Coordenado pela professora Jéssika de Oliveira, de 32 anos, a iniciativa completou um ano de atividades no mês passado e é sucesso entre alunos do ensino fundamental da unidade de ensino, que fica na comunidade quilombola. “Uma das propostas do Clube da Leitura Preta no quilombo é enfrentar a evasão escolar”, afirma a professora.
Contra a violência
Ao passo que os adolescentes leem autores negros, tratando de temas que não são estranhos à vida dos alunos, há uma identificação e o ensino passa a ser mais transformador. Aliás, estar fora da escola e não ter perspectivas pode ser perigoso na cidade que foi considerada a mais violenta do Brasil no ano passado com uma média de 88,8 assassinatos a cada 100 mil habitantes. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste ano, mostra que a disputa do tráfico tem feito mais vítimas na região.
Histórias de violência estão no noticiário e também cercam a realidade diariamente para esses adolescentes. “Perdemos vários alunos para a guerra às drogas. Então, o livro entrou para a vida deles como uma nova chance”. Não há como se manter indiferente às violências de todos os dias na região. Pelo contrário, o luto é sentimento rotineiro. “Sempre consigo me surpreender com a força dos meninos e das meninas do clube de leitura que, apesar de serem atravessados por diversas violências, conseguem se manter firmes e fortes com livros abertos”, testemunhou a professora.
Contra o racismo
A professora Jéssika de Oliveira é negra e nasceu na cidade de Baixa Grande (BA), a 262 km de Salvador. A ideia do projeto, segundo afirma, nasceu com o desejo de promover discussões raciais na escola. “Embora haja uma Lei que fomente a obrigatoriedade do ensino da cultura afro nas escolas, enquanto educadora, sei também da ausência do letramento racial nos espaços”. A Lei 10.639 de 2003 determina que o ensino fundamental e médio trate de história e cultura afro-brasileira.
Mas a legislação ainda não foi capaz de mudar a realidade. “Vi muitas pessoas desistirem de seus sonhos. A partir do momento que entendemos o racismo como um problema estrutural que perpassa sobre toda a sociedade de forma velada e escancarada, é possível identificar a sua atuação de forma institucional nos espaços escolares”, diz a docente. Por isso, ela defende que é necessário ensinar as nuances do racismo para poder combatê-lo de forma eficaz.
Com informações da Agência Brasil