Bahia

Preta, periférica, mãe e doutoranda: baiana conquista bolsa integral em uma das melhores universidades do mundo

Priscila estudou na rede pública de ensino e conta sua trajetória pessoal, profissional e acadêmica

Reprodução/Redes Sociais
Reprodução/Redes Sociais

Nascida e criada no Engenho Velho de Brotas, em Salvador (BA) e tendo estudado a vida inteira na rede pública de ensino, a musicista baiana Priscila Santana acaba de dar um passo importante em sua vida profissional, acadêmica e pessoal. Ela conquistou uma bolsa de estudo integral na Columbia University, universidade que integra a Ivy League, e uma das melhores e mais caras do mundo.

“A galera muito rica vem do mundo todo só pra estudar na Columbia, e a minha base é muito pobre, minha família é super humilde e não tem condições nenhuma de me apoiar nesse sentido [financeiro], então pra mim era uma realidade muito distante, mas eu fui dando meus passinhos para entrar. Tem muitos filmes americanos que falam sobre a Columbia. Barack Obama, o primeiro presidente preto dos Estados Unidos, estudou lá. Tem todo um histórico que é bem arrepiante de ouvir. No início eu falava ‘ai gente, a Columbia é demais? Eu posso começar com uma menor’, mas é tudo questão de força de vontade, não só força de vontade, mas de como é que você prepara a sua mentalidade para isso”, explicou Priscila.

A TRAJETÓRIA

Sua trajetória começou a ser traçada desde cedo, quando aprendeu a tocar flauta transversal em um projeto do maestro Fred Dantas. Em seguida, ingressou no Neojiba, quando passou a viajar o mundo através do seu trabalho. Aos 19 anos Priscila se tornou mãe, e nesse meio tempo se formou em Jornalismo com uma bolsa integral em uma universidade particular na capital baiana, depois estudou Música na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e integrou o time de regência do Neojiba.

Em 2016, Priscila foi convidada para ser diretora artística e maestra do Projeto PRIMA, na Paraíba, quando se mudou para o estado e foi aprovada no mestrado em Música na Universidade Federal da região. Ela ficou no local até 2019, até ser aprovada para fazer doutorado nos Estados Unidos.

“Meu marido já morava aqui em Nova Iorque e era uma oportunidade pra minha filha e também uma oportunidade de continuar meus estudos. Em termos de setor cultural, Nova Iorque é o centro de cultura do mundo, então tem todas essas possibilidades culturais aqui. Eu falei ‘é uma excelente oportunidade acadêmica profissional e também familiar’”.

No Brasil, as universidades públicas são consideradas as melhores, mas nos Estados Unidos, a situação é diferente, e a educação é muito cara, o que se tornou uma barreira para Priscila naquele momento, já que a bolsa não cobria todos os custos. A musicista resolveu trabalhar e se preparar durante três anos para tentar uma bolsa integral futuramente.

“Uma vez que você chega aqui a realidade é bem mais difícil do que você romantiza e pensa, porque eu já sabia um pouco de inglês mas não era o suficiente pra eu entrar na universidade. Tem todo um processo. Eu também queria trabalhar. Eu sou mãe, tenho uma família que eu ajudo no Brasil, então pra mim a questão de trabalhar era muito importante. Ao mesmo tempo que eu estava aprimorando o meu inglês, eu estava me adaptando com essa nova vida aqui e fazendo todo o processo de documentação. Nesse processo já estava me sentindo mais segura, mas ainda assim eu já estava quase para desistir, mas falei ‘olha, eu já cheguei até aqui, já fiz esse processo todo, estudei pra caralho, consegui passar na prova de inglês, vou aplicar e vamos ver no que é que vai dar’. Então finalmente fui aprovada e estou super feliz”, comemorou.

A CONQUISTA

Após ser aprovada, veio o desafio de conseguir a bolsa integral. Assim, Priscila iniciou um processo para convencer o corpo docente da universidade sobre a necessidade em abrir o espaço para pessoas com novas narrativas.

“Se eles querem ter mulheres pretas que contem histórias distintas e que contem outras narrativas, porque as universidades daqui tem falado muito sobre a questão da diversidade e de contar narrativas distintas, uma narrativa latina, uma narrativa de pessoas que vieram de comunidades periféricas, é necessário ter esse suporte. Eu consegui apoio de alguns professores da universidade, então teve toda uma fase política de conseguir apoio, de network. A universidade fala tanto disso, mas como é que pessoas pretas e mães vão conseguir ter acesso a uma universidade dessa que é tão cara? Eles nunca vão conseguir mudar essa narrativa se não mudarem o conceito do financeiro, porque o financeiro é uma barreira importantíssima dentro das nossas comunidades”, defendeu a doutoranda.

REFERÊNCIAS

Priscilla conseguiu a bolsa e inicia o curso em setembro, com duração prevista entre quatro e cinco anos. Durante toda a sua trajetória, enxergar pessoas pretas nesses espaços foi fundamental para que ela pudesse se permitir trilhar esse caminho.

“Teve várias referências ao longo do meu caminho, porque à medida que você vai vendo pessoas pretas, pessoas que vieram mais ou menos do seu contexto, alcançando esses espaços que para você era impossível, você vai dizendo ‘olha, é possível, né? Não é tão impossível’ Eu tive várias pessoas nessa minha caminhada que foram me apoiando, que foram me inspirando. Agora, seis meses atrás, mais ou menos, Silvio Almeida [ministro] estava aqui na Columbia. Um homem preto que eu já admirava pra caralh* no Brasil está aqui dando aula, não é nem como aluno. Tem outra pessoa que está dando aula na Columbia, tem uma amiga minha que é aluna lá e também veio das favelas lá de Minas Gerais. Eu tenho minhas amigas cotidianas que estão lá estudando também, que vieram de realidades como a minha. Minhas inspirações são muito pessoas que vieram dessa minha base e que conseguiram ultrapassar essa questão mental e financeira. Todas essas barreiras sociais que a gente precisa passar para seguir nesses espaços”, disse.

Mas além de se inspirar, Priscila é motivo de orgulho para a sua família e para diversas outras pessoas que veem na trajetória, uma oportunidade de sonhar e alcançar objetivos através de novos caminhos.

“Pra minha família, tudo o que eu faço é muito além do que eles imaginavam. A minha mãe acha que eu sou extraordinária, que eu sou uma pessoa fora do normal. Só de ter a coragem de eu vim pro Estados Unidos, de eu falar inglês, de eu ter dirigido o programa, de eu reger isso tudo, pra minha família já era demais, não precisava dar nenhum outro passo a mais pra eles já me acharem extraordinária”, contou.

Referência para inúmeras pessoas, Priscila compreende a importância em contar sobre o processo para que elas saibam que é possível sim, chegar aonde se deseja, trabalhando a mente e tendo muita persistência.

“As meninas me escrevem lá no Instagram, não só as novas, mas pessoas com mais idade, pessoas com diferentes faixas etárias, falando o quanto eles se inspiram porque são pessoas que vieram desse mesmo contexto que eu e desse mesmo contexto não só financeiro, mas desse mesmo contexto mental que bloqueia muito a gente, que faz com que a gente não acredite que a gente possa chegar num espaço muito mais alto do que a gente tá e a gente acaba se limitando muito nessa questão mental, e eu acho que isso destrava quando você vê essas pessoas chegando”.