Temendo a violência, a estudante de Psicologia Laura Anjos, 21 anos, costuma pedir um Uber sempre que sai à noite. Seria cômodo, se ela não tivesse que andar cerca de dez minutos de sua casa, na Santa Cruz, até o Mercado do Rio Vermelho. Laura está entre os moradores de pelo menos 20 localidades de Salvador em que os motoristas de Uber relatam que, por medo, desligam o aplicativo para não receber chamados. O CORREIO ouviu dez motoristas da plataforma digital que fizeram uma relação dos bairros onde eles preferem ficar off-line
Pelo menos 20 localidades estão passando com problemas com a Uber
Utilizando o Uber como principal meio de renda há 1 ano, desde que passou a funcionar na cidade, o motorista Florisvaldo Nunes Filho, 45, desconecta sua conta em determinados locais. Embora nunca tenha sofrido episódios de violência durante o trabalho, ele conta que já foi alertado por moradores da Estrada das Barreiras, na região do Cabula, a não acessar o local.
“Eu me deparei com pessoas em uma rua, era noite. Imediatamente, elas me perguntaram o que eu estava fazendo ali, que eu fosse logo embora. Quer dizer, a gente fica inseguro, claro, então é o único meio”, diz.
Para ele, que roda todos os dias da semana, alguns bairros precisam ser evitados. “A gente sente porque em todos os lugares existem pessoas de bem e que precisam, mas eu não nego: escureceu, eu desligo, me afasto, e depois ligo novamente”, completa.
Segundo Laura, que é nascida e criada na Santa Cruz, é comum ouvir comentários do tipo sobre a localidade em que mora. “Eu entendo, o problema é que a gente paga por comodidade e não tem comodidade. Se eu acabo tendo que andar tanto para utilizar o serviço, deixa de ser cômodo. Eles têm medo de entrar de carro e optam por não entrar. Eu não tenho escolha, tenho que voltar para casa andando”, comenta.
Faz dois meses que o motorista Joilson Silva, 27, recebeu o chamado de uma mulher, no Nordeste de Amaralina. Ao chegar, dois homens entraram no carro e anunciaram que estavam com armas e drogas que deveriam ser levadas para Mussurunga. “Foi quase meia hora de pânico. Levei eles lá e, por sorte, não sofri nada grave”, lembra ele, acrescentando que não deixou de entrar no bairro.
Há um mês dirigindo Uber, o estudante de Direito Tarcísio Melo, 28, já tem uma lista de lugares onde coloca o aplicativo no off-line. “Eu desligo, sim. Se existem áreas onde nem a polícia entra, por que eu entraria? Infelizmente, pode soar um tanto discriminatório, mas o que está em questão é minha própria segurança”, salienta, fazendo referência ao Bairro da Paz, na Paralela, e à Avenida Peixe, na Liberdade.
Apenas motoristas que já moram em localidades consideradas de risco, segundo Tarcísio, aceitam entrar. “Eles já conhecem as ruas, sabem onde estão pisando. Tem lugares que não entro hora nenhuma”, diz.
A manicure Beatriz Andrade, 18, que mora na localidade da Timbalada, no Cabula, conta que já perdeu as contas de quantas vezes não conseguiu pegar um Uber. “Muitas vezes você não consegue nem chamar, porque não tem. Quando tem, eles dizem que não vão entrar aqui e não entram”, afirma. A mãe de Beatriz, que sofre de pressão alta, costuma solicitar o serviço para ir ao médico e tem que se deslocar até a Rua Silveira Martins, via principal. “Ela já esperou por uma hora um Uber. Os piores horários são à noite e de manhã cedo”, relata.
Precaução
Para não deixar moradores de algumas localidades a ver navios, o aposentado Agmar Chaves, 71, que dirige Uber há três meses, adotou medidas específicas. Rodar durante o dia, fazer contato com passageiros por telefone e optar por pessoas que utilizem o cartão como forma de pagamento estão entre elas.
“Dessa maneira, eu ando em qualquer lugar, sem medo, e não preciso desligar o aplicativo em nenhuma situação”, afirma. Ele citou, ainda, a possibilidade de perder pontos na plataforma. “Como a gente não pode cancelar muito, os mais preocupados desligam por isso, por ser mais prático”, explica ele, que garante nunca ter passado por uma situação de violência.
O presidente da Associação dos Motoristas Particulares da Bahia (Amop-BA), Deivison Fraga da Silva, diz que a associação está mapeando lugares perigosos a partir dos relatos dos motoristas. “Levaremos para o setor de segurança da Uber e tentamos apoio da PM. Estamos em fase de estudo”, explica.
Orientação
Em contato com o CORREIO, funcionários do Uber informaram que os motoristas são considerados autônomos e, portanto, têm flexibilidade e ficam livres para trabalhar onde e por quanto tempo quiserem. Procurada, a plataforma disse que não se manifestaria sobre o assunto. O Uber informou que não contabiliza os associados por região e que, em nível nacional, o número de motoristas já ultrapassa a marca de 50 mil. Já a Amop-BA afirmou que cerca de 10 mil pessoas estão cadastradas e rodam Uber em Salvador.
Em nota, a Polícia Militar informou que realiza, diariamente, policiamento ostensivo nos bairros citados por meio de rondas – utilizando viaturas, abordagens e operações. “Visando a segurança da população, o policiamento é feito pelas companhias independentes de policiamento tático, de unidades especializadas e bases de segurança comunitárias no Bairro da Paz, Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, São Caetano e Itinga, além das BCS Rio Sena e Fazenda Coutos, localizadas no Subúrbio Ferroviário”, completa a nota.
Taxistas também têm restrições
Os motoristas de Uber não são os únicos a adotar estratégias para trabalhar com mais segurança. Segundo o diretor financeiro da Associação de Taxistas do Aeroporto Luis Eduardo Magalhães (Atalema), José Domingos dos Santos, não é incomum que os profissionais evitem certos locais em determinados horários – especialmente à noite.
É o caso do Conjunto Yolanda Pires, em São Cristóvão, do Boqueirão, no Nordeste de Amaralina, e na Rua Onze de Novembro, na Santa Cruz. “São locais inviáveis para entrar. Nesses, nós explicamos ao passageiro que vamos deixá-lo na rua principal, por exemplo. Não entramos nas ruas apertadinhas nos bairros. São lugares que (os traficantes) investigam (quem entra), mandam apagar farol…”, conta.
O problema, às vezes, é a saída do bairro – depois que o passageiro deixa o veículo. Para ele, não há diferença entre Uber e táxis, nesse caso: todos estão à mercê da violência. “Nessas localidades, não têm diferença. Todos podem ser alvos. Se eles considerarem que você é estranho no bairro, é perigoso e você está vulnerável”, diz ele, que está na profissão há 12 anos.
No entanto, o taxista Juarez Souza, 41 anos, discorda. Para ele, os motoristas de Uber acabam correndo mais riscos do que taxistas devido à aparência dos carros. “A gente escuta muito falar que, pelo fato de o Uber ser um veículo descaracterizado, poderia ser polícia disfarçada. Tem determinados locais e horários que os moradores não sabem se é Uber, se é ladrão ou se é polícia”, afirma, referindo-se às viaturas descaracterizadas da Polícia Civil.
O que contribui para essa confusão, na opinião de Souza, é o uso de películas muito escuras nos vidros dos carros por alguns motoristas de Uber. Fora isso, ele acredita que taxistas costumam ser respeitados nas comunidades. “Existe também muita especulação. Procure saber quantos motoristas de Uber ou taxistas moram nesses bairros. Eu mesmo moro em Canabrava, um lugar que supostamente é perigoso, mas não tem nada disso. Mas, mesmo se eu for em algum lugar assim, eu ligo a luz interna à noite, que é uma precaução. Eu não deixo de entrar em nenhum local, nem em transversal. Se formos ter medo dessas coisas, ninguém trabalha. Nem taxista, nem médico, nem repórter, nem policial. Tem que encarar”.
Taxista há 24 anos, o diretor de comunicação do Sindicato dos Taxistas (Sindtaxi), Marcelo Rosas, 49, reforça que assaltos acontecem em qualquer lugar – principalmente bairros nobres. “O pessoal do Uber, fazendo isso (recusando as corridas), está nos ajudando, porque o taxista continua fiel à população. Claro que tem alguns colegas que têm medo, mas não pode recusar. Tem que explicar ao passageiro antes, ter esse cuidado. Graças a Deus, o baiano compreende essas coisas e nós, taxistas, já temos amizade com o passageiro”.
Fonte: Correio 24 Horas