Bahia

Mães de rua: conheça o drama de mulheres que viveram com seus filhos nas ruas de Salvador

Neste dia das mães a Salvador FM conta a história de mulheres que viveram com seus filhos nas ruas da capital baiana

Rodrigo Portela/ Salvador FM
Rodrigo Portela/ Salvador FM

Riscos, agressões físicas e psicológicas, medo, solidão. Esses são alguns dos sentimentos de cerca de 17 mil pessoas que vivem na ruas de Salvador, de acordo com um levantamento divulgado pelo Projeto Axé em parceria com a UFBA em 2017, número que aumentou com o advento da pandemia. Muitas delas, mães solo que foram viver com seus filhos na capital baiana por motivos que você vai conhecer agora. 

No Dia das Mães, o Portal Salvador FM conta a história de vida dessas mulheres que, por muitas vezes, são julgadas pela sociedade, marginalizadas e inviabilizadas por políticas públicas de apoio à família. Entre diversos obstáculos, o que fica é o aprendizado, o sonho e a esperança de reconstruir suas histórias.

A reportagem visitou a instituição Família Pérolas, na capital baiana, que tem parceria com a prefeitura de Salvador, através da Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre). O local abriga famílias que viviam em situação de rua, e, em sua maioria, mães solo.

Vitória Assis tem apenas 20 anos, e viveu por pouco mais de um ano com seu filho na região dos Mares, na Cidade Baixa, em Salvador. A mãe de Enzo, que está próximo de fazer quatro anos de vida, conta que as dificuldades começaram a aparecer após o falecimento do pai da criança. 

“Depois que o pai dele faleceu, complicou tudo. Trabalho, não tinha ninguém pra olhar, ninguém quis ajudar, mas fui lutando, trabalhando com ele, pagava uma pessoa pra olhar, e apertou tudo na pandemia, faltou leite, faltou tudo. Tive que vender as coisas que eu tinha, depois reconstruí de novo, porque eu faço unha e cabelo. Mas briguei com a dona do salão, acabei perdendo a cabeça. Me joguei na droga, que eu usava […]”, declarou a jovem.

A mãe de Enzo conta ainda que o período na rua foi de extrema dificuldade, e para ela, a única preocupação era a alimentação. Vitória cita um domingo em que afirma ter sido o pior dia de sua vida. 

“Eu não tinha nada pra botar na minha barriga nem na dele, nada… De chegar a um ponto que eu tive que bater na porta do restaurante e pedir, e mesmo assim ninguém me deu. Então esse foi o pior dia da minha vida. E aí apareceu uma mulher, ela me deixou ficar no fundo da casa dela, que foi logo quando me inscrevi pra vir pra cá [para o abrigo]. Ela me deu comida, já ia dar 11 horas da noite, ninguém me cedeu nem um copo de água. Neste dia eu passei dificuldade mesmo, ninguém me deu. Eu chorava, não sabia o que fazer”, enfatizou a jovem. 

De sorriso largo, o brilho no olho de Vitória aparece ao ser questionada do que ela espera para o seu futuro e o de Enzo. A resposta vem de imediato: “Ah, meu sonho é ter a minha casa, o meu trabalho, ver meu filho bem, não passar o que eu passei, é tudo isso […] Meu sonho é ter meu salãozinho com tudo, fazer unha, fazer cabelo e meu filho ter alguma coisa pra ele lembrar de mim”, declarou.

Diferente de Vitória, Caroline Deoclesiano, morou nas ruas de Salvador na companhia de dois filhos, Wesley e Lara, e por menos tempo, mas, igualmente dias difíceis e memoráveis. 

A jovem de 26 anos afirma que parou na rua devido às condições financeiras, ela e o ex-marido ficaram desempregados durante a pandemia e faltava dinheiro para o pagamento do aluguel e para sustentar os filhos. "Minha única opção que eu tinha era ir pra rua, passei cinco dias, mas foram cinco dias muito difíceis, é muito ruim”, relembrou.

A mãe de Wesley e Lara confirma que a situação mais difícil para quem vive em situação de rua é a alimentação. “Tem momentos na rua que a pessoa tem que sobreviver atrás de alimentação, quando um carro para pra dar uma alimentação, todo mundo tem que ir correndo, aí tem gente que chega e não encontra […]”, destaca a jovem.

Caroline comenta um episódio em que seu filho Wesley, de oito anos, pergunta a ela que dia eles iam voltar para casa, afinal, não entendia o que estava acontecendo. Entretanto, a jovem não sossegou até conseguir uma vaga em um abrigo da cidade. Ela  afirma que foi em todos os cinco dias que ficou na rua ao Centro Pop – Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua, até conseguir uma vaga em um abrigo da capital.

Mesmo com tantas dificuldades, as duas mães mandaram um recado para as mulheres que passam a mesma situação. E a principal mensagem foi: aprender a dar valor. 

Vitória ainda completou: "Quem tem não desfazer de quem não tem. Quem tem conservar o que tem, e pra quem não tem nunca desistir, a vida não é fácil, é difícil, mas a gente tentando, a gente chega lá”, finaliza.

Família Pérolas

Atualmente, Vitória e Caroline vivem no Lar Família Pérolas, no bairro de Coutos, na capital baiana, junto aos seus filhos. O abrigo oferece um suporte multidimensional às mães, saúde, educação, mobilidade urbana e acesso à justiça. O oferece ainda cursos de geração de renda que visam a autonomia e organização financeira, para além da inserção das mulheres em benefícios socioassistenciais, como o Auxílio Brasil. 

"Queremos ser um ambiente em que as pessoas entrem, e elas tenham um processo de reconstrução, de ter novas perspectivas, porque as pessoas que vivem em situação de rua já vivem marginalizadas, já são afastadas do convívio social de uma forma geral”, afirma Uíla Sodré, coordenadora da unidade.