“Você destruiu o seu futuro”. “O que vai acontecer com a sua vida agora?”. Estas são frases que costumam marcar o início da gestação e que atravessam a mente de jovens mães que, muitas vezes, se veem culpadas, rejeitadas e desassistidas por seus companheiros, familiares e pela sociedade.
De acordo com o relatório do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), em 2020, a cada mil brasileiras entre 15 e 19 anos, 53 tornam-se mães. E mesmo que os dados mostrem uma realidade comum, ainda assim, falar sobre gravidez na juventude é um tabu na sociedade brasileira.
Sentir-se incapaz, “impostora” e comparar-se a outras mães, é um sentimento que perpassa a realidade de muitas mães que engravidam na adolescência. “O mais difícil de ser mãe jovem é a determinação, é você saber que você é mãe mesmo sendo jovem como qualquer outra, você não é menos mãe por isso. As pessoas querem te ensinar a ser mãe, mas não tem como, é uma coisa que você aprende junto ao seu filho”, desabafa a ex-estudante de medicina veterinária, Maria Clara Castro, em conversa com o Portal Salvador FM.
Com 19 anos, Maria Clara Castro descobriu a gravidez. Ela conta que o medo da reação dos seus familiares, especialmente do seu núcleo mais próximo, foi seu maior medo. “A primeira coisa que pensei era como contaria aos meus pais e ao meu padrasto, em como eles reagiriam. Naquele momento, não era importante o que estava sentindo”, relata.
Além da pressão social e do tabu em torno do tema, as redes sociais e toda sua interatividade intensificam na violência psicológica de mães, que em muitos momentos, são expostas e julgadas, ou até mesmo se veem condenadas por não estarem naquele convívio social.
No entanto, apesar das angústias e receios com a maternidade, a jovem mãe conta ainda que se surpreendeu com a reação negativa de pessoas de quem esperava apoio.
Assim como na maioria dos casos de gravidez na juventude, a culpa faz-se presente. “Quando descobri a gravidez, me senti muito culpada, primeiro pelo descuido e, segundo, pelo futuro. O que as pessoas mais dizem e o que você mais escuta quando você engravida em circunstâncias financeiramente não tão favoráveis, é de que você acabou com a sua vida, que você vai viver para trabalhar, que não terá mais vida, que não poderá mais sair. E, na verdade, aprendi a desconstruir isso vivendo a gravidez”, declara.
“O medo de ser rejeitada pela sociedade, o medo de frequentar lugares que antes frequentava, o julgamento que todo mundo faz, e que já fiz”, finaliza Maria sobre a importância de se sentir acolhida.
O futuro, que até então não era uma preocupação recorrente, passou a se tornar um desafio para a jovem mãe. “Foi o momento que mais fiquei desesperada pelo amanhã, pelo futuro, pelo depois. Desde que descobri a gravidez tem sido assim, não penso mais no agora, mas sim no amanhã”, explica ela.
A pedagoga Sandy Alves descobriu a gravidez aos 20 anos. Assim como Maria Clara, Sandy sentiu medo, culpa e acreditou que a vida dela teria acabado. O futuro e o medo de como seria com o seu filho, passaram pela sua mente em todo o momento.
Aborto
Em meio ao desespero, as jovens mães chegaram a pensar no aborto. No entanto, a culpa, o medo, a criminalização da prática de abortamento e os riscos de uma prática clandestina, além do apoio dos seus familiares fizeram as duas repensar se, de fato, era o que queriam.
Apesar da criminalização do aborto, os abortamentos por motivos previstos por lei são minoria. É o que confirma os dados divulgados pelo DataSus, em referência ao primeiro semestre de 2020 em que, 1.024 foram os abortos legais realizados no país, enquanto 80.948 foram os processos de curetagem e aspirações realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que são referentes a procedimentos feitos após abortos incompletos, espontâneos ou provocados.
Ainda segundo o DataSus, de 2009 a 2018, foram registradas oficialmente 721 mortes de mulheres por aborto. Entre os casos, a cada 10 mortes, seis eram pretas ou pardas.
Os medos e traumas não ficam apenas na gestação. O puerpério – período após o parto até que o organismo da mulher volte às condições normais (pré-gestação), também embala problemas. Para Maria Clara, esta etapa foi a mais difícil.
Aprender a cuidar de alguém, sem ter experiência alguma, foi “desesperador” para a nova mãe. “Foi [desesperador] e ainda é. Ela [a filha] depende só de mim, porque ao mesmo tempo que quero fazer as coisas, quero estar com ela”, pondera Maria.
Entender as transformações do corpo também não foi um processo fácil para elas. Sandy, mãe de Miguel, o puerpério incidiu diretamente na sua relação com ela mesmo, que sentiu-se, e sente até hoje, desconfortos em relação ao seu corpo. A depressão pós-parto foi uma realidade próxima naquele momento, e a jovem mãe precisou de acompanhamento psicológico. “Lidar foi muito difícil, precisei de terapia, quase entrei em depressão pós parto porque as pessoas enfatizam muito a questão financeira para você. Além do bombardeio de informações e palpites que te dão”.
Participação dos pais
Além de todas as demandas da maternidade, existem mulheres que precisam enfrentar os obstáculos de uma gestação e uma maternidade sem apoio de familiares e, mais frequentemente, dos pais dos seus filhos. A ex-estudante de medicina veterinária e a pedagoga, diferentemente de muitas jovens que vivenciam uma gravidez na juventude sem apoio, contaram ativamente com a participação de seus parceiros.
Segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), no ano de 2021, quase 100 mil crianças nascidas não têm o nome do pai no registro civil.
Racismo
Uma mulher negra, periférica e estudante de engenharia de produção. Aos 23 anos, Samara Tavares descobriu que estava grávida com uma semana e cinco dias. Desde então, o futuro passou a ser uma de suas recorrentes preocupações, tanto dela quanto do filho.
Entre os medos do amanhã, o racismo também lhe inquieta. “É uma sobrecarga invisível porque as pessoas não se dão conta que famílias negras estão preocupadas com isso e precisam se mobilizar para mudar este cenário. Tanto que são estes detalhes que vão fazendo com que a maternidade preta seja mais desgastante, além de, claro, o medo que aconteça alguma violência com meu filho”, desabafa.
Em um levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz, mostra que, em 2019, 78% das vítimas fatais por agressão com arma de fogo eram pessoas negras, que correspondem a 56% da população.
O medo do futuro dentro de uma família negra esbarra até mesmo entre nos familiares. Samara, ao contar para o pai, sobre o filho, escutou uma frase que ainda deixa marcas: “tenho pena de seu filho, ele é um pobre coitado”.
Ainda que jovens, mães que não planejaram a gravidez, aprendem no dia-a-dia a cuidar de filhos. Contudo, o amor de uma mãe para o filho independe da idade.
*Com a supervisão de Juliana Nobre