Um rápido olhar pelas frestas dos tapumes que cercam os 250 mil metros quadrados do antigo Aeroclube Plaza Show entrega a situação de abandono da área, que abrigou, entre 1999 e 2014, um dos espaços de entretenimento mais badalados da Salvador dos anos 2000.
Mato alto, proliferação de insetos e roedores, prostituição e recorrentes reclamações de roubos agora fazem parte da realidade do local. Soluções para o atual desuso do terreno, cedido para o Consórcio Parques Urbanos desde 1996, parecem estar ainda distantes, entretanto.
Após renovar a concessão do espaço para o grupo de empresas até 2052, para o investimento de R$ 200 milhões na construção de um novo shopping center no local, a prefeitura da capital baiana instaurou, no final do mês passado, um processo administrativo para rescindir o acordo.
Notificados pela Procuradoria Geral do Município (PGM), os concessionários receberam um prazo de 30 dias para se defenderem. Depois, segundo a Secretaria de Comunicação, o caso será decidido. Não há previsão, porém, de quando sairá o resultado do processo.
Quando isso ocorrer, a posse do terreno volta a ser municipal, o que, de acordo com a promotora de Justiça Rita Tourinho, exigirá uma nova licitação para a concessão da área.
Origem da decisão
Coordenadora do Grupo de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (Gepam), do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Rita Tourinho foi a responsável pela decisão da prefeitura de quebrar o contrato com o consórcio.
Em novembro de 2016, a promotora recomendou a rescisão do acordo ao município. Caso a orientação não fosse cumprida, pretendia mover uma ação civil pública para exigir, na Justiça, o distrato entre as partes.
No documento, ao qual a reportagem teve acesso, a promotora lista uma série de descumprimentos contratuais que motivam a quebra do acordo, como a “falta de manutenção, conservação, limpeza, segurança e preservação [da área do Aeroclube] pelo consórcio”.
Além disso, a promotora argumenta que os adiamentos da construção do novo empreendimento na área também desrespeitam o acordo, assinado em maio de 2014 com a prefeitura. Na ocasião, o contrato determinava o início das obras em 60 dias – o que até hoje, três anos depois da assinatura dos termos, não aconteceu.
O Consórcio Parques Urbanos alega, segundo a prefeitura, que “o cenário econômico restritivo” impede a implementação do projeto.
Empreendimento criou um novo conceito na orla (Foto: Carlos Casaes | Ag. A TARDE | 12.10.2003)
Porém, na recomendação enviada ao município, Rita Tourinho lembra que a cláusula 8.3 do contrato previa que “os lucros e prejuízos suportados pelo Consórcio Parques Urbanos serão de sua inteira responsabilidade, não cabendo, futuramente, qualquer alegação de desequilíbrio econômico e financeiro do contrato”.
Sociedade
Procurada para se posicionar, a gerente de projetos do consórcio, Júlia Cintra Mesquita, não respondeu aos questionamentos da equipe de reportagem até o fechamento desta edição.
Apesar de se apresentar com este cargo, Júlia Mesquita é citada nos registros da Receita Federal sobre o consórcio Parques Urbanos como “administradora” da companhia. Compõem o grupo a Virrat Empreendimentos e Participações S/A e a NacPart Empreendimentos e Participações S/A.
O grupo Jereissati, do ex-senador Tasso Jereissati, que em maio de 2014 foi apresentado pela prefeitura como novo investidor do projeto, oficialmente não faz parte da composição societária, de acordo com os registros da Receita.
A promotora Rita Tourinho confirma que, “oficialmente”, o grupo Jereissati “nunca chegou a entrar”, apesar da apresentação feita há três anos, com direito, inclusive, à presença do ex-senador. A TARDE não conseguiu contato com a empresa do político até o fechamento desta edição.
Já a prefeitura, em nota, afirmou que “tem cobrado a realização dos investimentos previstos no contrato”.
Ainda no comunicado, o município argumenta que “ao mesmo tempo em que cobra o cumprimento dos prazos, a prefeitura se movimenta na busca de alternativas ao projeto para a área”, sem informar mais detalhes.
Dívida milionária de IPTU
Com a confirmação da quebra de contrato entre a prefeitura de Salvador e o Consórcio Parques Urbanos, o grupo de empresas sairia da parceria com uma grande dívida com o município.
No site do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), são, no total, 408 processos judiciais movidos contra os concessionários do terreno onde ficava o antigo Aeroclube, a maioria deles movida pela Procuradoria Geral do Município (PGM), por causa de inadimplência no pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Em 2012, essa dívida já totalizava R$ 35 milhões, de acordo com reportagem sobre o caso veiculada na época por A TARDE.
A atualização do montante devido pelo consórcio foi solicitada, mas a Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz) informou que não poderia revelar informações sobre contribuintes, pois essa prática pode ser caracterizada como crime de quebra de sigilo fiscal.
Uma fonte ligada ao antigo Aeroclube, entretanto, afirma que já chega próximo a R$ 100 milhões o valor devido pelas empresas concessionárias do terreno.
Retrospectiva
O acúmulo de inadimplência fiscal com o município foi um dos motivos que levaram o badalado Aeroclube Plaza Show à decadência e, em 2014, ao fechamento.
Em 2006, o empreendimento, administrado pelo grupo Iguatemi e por empresários cariocas, passou a investir no setor de varejo, o que atraiu lojistas para o local. Com isso, uma série de obras de ampliação do shopping começou a ser colocada em prática em 2008.
Foi neste ano, em janeiro, que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) embargou as intervenções, a pedido do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico e Nacional (Iphan).
Na época, o desembargador responsável pelo caso alegou que era necessária autorização do órgão federal para o início das intervenções, por se tratar de uma área tombada.
A partir daí, o shopping passou a amargar processos de lojistas que alegavam prejuízos, e nunca mais voltou ao auge.
Em 2014, quando o prefeito de Salvador, ACM Neto, assinou o contrato com o consórcio para renovar a concessão, o imbróglio parecia resolver-se. A demolição do local chegou a ser feita, mas as obras, que começariam dali a dois meses, nunca foram iniciadas.
Como contrapartida para a cessão do local, o Consórcio Parques Urbanos deveria construir o Parque dos Ventos, uma área pública ao lado do shopping.
As obras desse espaço, que aparentemente estão em andamento, deverão ser paradas após a rescisão do contrato entre as partes. O destino do terreno, então, é mais uma vez incerto.
>> Cronologia do caso Aeroclube
1996 – Prefeitura de Salvador, sob o comando de Lídice da Mata, concede ao Consórcio Parques Urbanos
a área na orla da capital baiana
1999 – Aeroclube Plaza Show, centro de entretenimento que se tornaria point badalado da capital, é enfim inaugurado
2006 – Grupo Iguatemi, que administra o empreendimento, decide apostar em varejo, além do entretenimento, o que atrai lojistas
2008 – Começa obra de ampliação do shopping, logo embargada pela Justiça Federal, a pedido do Iphan. Começa processo de decadência
2014 – Aeroclube fecha de vez, com fim de cinema. Prefeitura renova contrato com consórcio até 2052 para que shopping seja construído na área abandonada
2017 – Rescisão do acordo é iniciada pelo município
Reprodução/A tarde