Peixes engolfados em lama, tartarugas que pareciam petrificadas. O cenário podia ser visto no último domingo em Ponte Queimada, localidade no município de Marliéria (MG), no Parque Estadual do Rio Doce. "O cheiro químico é tão forte que nem abutres vieram comer as carcaças", dizem moradores na página do parque no Facebook. A mais de cem quilômetros de Mariana (MG), a lama das barragens que se romperam em Bento Rodrigues já mostra seus efeitos para a fauna e a flora. A lama chegou na noite desta segunda-feira à divisa de Minas com o Espírito Santo.
A lama chegou no fim de semana ao Parque do Rio Doce, a maior reserva de Mata Atlântica do estado, 35 mil hectares, num parque que é cortado pelo Rio Doce. O impacto (do desastre) é enorme. Provavelmente este é o maior desastre ecológico do estado — alerta o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da UFMG, o biólogo Ricardo Motta.
Motta estima que a fauna e a flora locais levarão pelo menos uma década para se recuperar. Segundo o professor, que já trabalhou em barragens de rejeitos da Vale em Minas, rejeitos de barragens desse tipo têm não só ferro, mas também arsênio, zinco e manganês, além de óleos e graxas utilizados nas máquinas de beneficiamento de minério.
O monitoramento dessa toxicidade tem de ser feito na água dos rios da região e também nos peixes e plantas, porque o nível de toxicidade na água pode estar baixo, mas ainda estar alto nos animais e na vegetação. Por isso em muitos países, como o Canadá, a lei exige análise de água e também de fauna e flora em áreas de mineração; a legislação brasileira, porém, exige exame só da água – diz Motta. – Vai ser preciso monitoramento de toxicidade por pelo menos um ano, com coletas mensais de água e de amostras de peixes e plantas. O Rio Doce tem também muitas colônias de pescadores, que devem ser informados sobre isso.
Além de peixes, a lama vai afetar anfíbios e outras espécies de vida aquática, e de répteis e aves que se alimentam delas.
A passagem de luz e o oxigênio na água dos rios diminuíram. E, como o Rio Doce está com a vazão baixa pela estiagem, isso agrava o assoreamento com a lama, e os pontos mais fundos onde há a reprodução de espécies deixam de existir – diz André Avelar, do Instituto de Geociências da UFRJ. – Em Linhares (ES), para onde a lama está indo, há reserva de tartarugas marinhas que pode ser afetada.
Em relação à flora, o risco é o próprio minério de ferro no solo.
Nada cresce sobre essa capa de minério — destaca Motta, para quem o setor minerador no país atende termos de ajuste de conduta sem investir em tecnologias mais sustentáveis. — Dizem "poluo aqui, mas recupero ali". É preciso abrir a caixa-preta.
Nessas barragens também há alumínio, muito tóxico para plantas – completa Avelar. – Tanto que áreas perto das barragens parecem paisagem lunar.
Além do impacto na fauna e na flora, o drama também atinge os animais dos moradores. Segundo o Corpo de Bombeiros, só no domingo foram resgatados 22 cachorros e um porco. A corporação deve divulgar hoje balanço dos animais salvos.
Foto: Reprodução/O Globo