Dezenove lojas de três shoppings populares da Avenida Paulista, tradicional cartão postal de São Paulo, vendem bolsas de luxo falsificadas e outros produtos piratas de marcas famosas. A conclusão está no relatório de uma empresa particular de investigação econômica no Brasil, contratada por fabricantes de artigos de grife da França. O relatório é de caráter sigiloso e ainda não foi encaminhado às autoridades responsáveis por fiscalizar e coibir o comércio ilegal.
De acordo com o documento, mais quatro lojas de um shopping da região central da capital paulista foram flagradas vendendo imitações de etiquetas luxuosas. O G1 teve acesso a vídeos, fotos e trechos do relatório, produzido entre abril e outubro do ano passado (veja o vídeo acima).
Procurada pela reportagem, a União dos Fabricantes (Unifab) da França, que representa as grifes que tiveram seus produtos pirateados em São Paulo, informou que pretende encaminhar a denúncia do relatório a respeito das falsificações para o Ministério das Relações Internacionais francês, para a embaixada da França no Brasil e para o governo brasileiro à espera de providências (leia mais abaixo).
Por questões contratuais, o nome do escritório de investigação não é mencionado no documento. Seus detetives encontraram objetos piratas que imitavam artigos das francesas Louis Vuitton, Chanel, Hermès, Dior, Givenchy, das italianas Prada e Gucci, da uruguaia e brasileira Victor Hugo, e da americana Michael Kors em 23 lojas de São Paulo.
De acordo com o relatório, lojistas, a maioria de origem asiática, comercializavam bijuterias, carteiras, perfumes e bolsas piratas em baias separadas por tapumes de madeira.
O item mais barato encontrado foi um par de brincos falsificados da "Dior Tribale", por R$ 50. O mais caro uma bolsa na cor verde e rosa com suposta pele de serpente imitando a "The Lady Dior", por R$ 3 mil. A marca disse que não possui um modelo de bolsa idêntico ao exposto na loja apontada no relatório.
O preço de uma bolsa original da Chanel vai de R$ 25 mil a R$ 27 mil, uma da Prada, de R$ 9 mil a R$ 12.700 e é possível encontrar uma Louis Vuitton por R$ 5.750.
Pelo levantamento, na Avenida Paulista os objetos falsificados estavam sendo vendidos em dez lojas do Boulevard Monti Mare, em sete do Shopping Paulista Center e outras duas do Shopping Market Paulista. No Centro, eram comercializados em quatro lojas do Shopping 25 de Março.
Em junho e julho deste ano a empresa de investigação revisitou os três shoppings da Avenida Paulista e constatou que as falsificações das marcas famosas continuavam. O Shopping 25 de Março não foi visitado. Em 2 de agosto, o G1 visitou os mesmos shoppings da Paulista e também constatou o comércio dos produtos piratas.
Níveis de falsificação
Em uma estratégia para disfarçar as falsificações, os vendedores classificam os produtos como: “réplica top, réplica ou cópia”, como constatou o estudo.
De acordo com os investigadores é possível notar a falsificação da "cópia" e da "réplica", mas só um especialista conseguiria diferenciar uma "réplica top" de uma original. "Se colocassem essas duas bolsas lado a lado, mesmo alguém que costume comprar bolsas de grife poderia se enganar e achar que as duas são originais", disse ao G1 um dos responsáveis pelo relatório.
Ele e outros detetives do escritório de investigação no Brasil são franceses. Para flagrarem a venda ilegal nos shoppings, eles usaram câmeras escondidas para filmar e fotografar os produtos. Segundo os investigadores, desde a realização do relatório, não ocorreram ações de combate ao comércio ilegal nesses locais.
Para os investigadores, além da qualidade duvidosa, os produtos falsificados diferem dos originais por outro motivo: o local onde são revendidos. De acordo com eles, as marcas de luxo são vendidas somente em lojas próprias ou em estabelecimentos credenciados.
"Todas as 23 lojas mencionadas no relatório não têm essa autorização para vender bolsas e outros objetos", disse um outro detetive. "Portanto, eles são falsificados ou piratas, como vocês chamam no Brasil".
O relatório informa ainda que das 23 lojas que vendem pirataria em São Paulo, 18 têm registro comercial na cidade. E em 15 delas, o sócio é um mesmo chinês. Em outra, o dono é um português e em duas, um brasileiro.
No início deste mês, o G1 procurou os quatro shoppings citados no relatório para comentar o assunto. Boulevard Monti Mare, Market Paulista e 25 de Março pediram para a reportagem encaminhar e-mails. O Paulista Center informou que não passaria contatos. De qualquer modo, nenhum deles se manifestou até a publicação desta reportagem.
França
Procurada neste ano pela reportagem, a União dos Fabricantes (Unifab) da França, que representa as grifes que tiveram seus produtos pirateados em São Paulo, confirmou algumas conclusões do relatório.
Delphine Sarfati-Sobreira, diretora-geral da organização, disse ao G1 que os investigadores chegaram a mesma conclusão que ela chegou em visita ao Brasil há alguns anos. “A origem dos produtos é a China. São os chineses que coordenam a venda dos produtos falsificados", disse Delphine. "É uma espécie de migração chinesa que veio se instalar no Brasil e que contrabandeia materiais falsificados, como eles fazem no mundo inteiro que seja em Nova York, nos 'mercados das pulgas' na Europa ou em Venti Mille, na Itália.”
A diretora-geral da Unifab, que é especializada em combate à piraria, observa que houve uma evolução na venda dos produtos falsificados e que os produtos são vendidos a preços cada vez mais elevados. “Há 20 anos, os falsificadores vendiam seus produtos baratos. Agora para enganar os consumidores eles vendem os produtos extremamente caros com o mesmo material de antigamente. Os consumidores pensam que frequentemente que são verdadeiros produtos”, explicou.
Essa valorização do produto acontece, segundo Delphine, principalmente com a ajuda das vendas pela internet já que eles podem fazer o anúncio com uma foto do produto verdadeiro e entregar um falsificado. Já nas lojas, houve uma mudança no discurso. “Os produtos ficaram muito caros também nas lojas, porque tem um discurso que vem junto dizendo que são produtos de fim de série, que vem diretamente da fábrica. Vira uma confusão na cabeça do consumidor”, afirmou.
A Unifab, que atua na esfera diplomática, informou ainda que pretende encaminhar a denúncia a respeito das falsificações para autoridades francesas e brasileiras.
O Brasil é uma zona prioritária para os membros da Unifab porque há uma quantidade enorme de produtos falsificados que são vendidos no país há muitos anos. “Foi só a partir da falsificação da marca Havaíanas que as autoridades brasileiras começaram a tratar desse problema”, criticou.
Justiça
Em agosto deste ano, a Justiça de São Paulo decidiu que as bolsas da Hermès, uma das marcas pirateadas na capital, são criações artísticas originais e, portanto, não podem ser imitadas. Com essa decisão, foi resolvido o litígio entre a empresa francesa e uma fabricante brasileira, acusada de plagiar uma das linhas da marca estrangeira.
De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça (TJ), a 9ª Câmara de Direito Privado condenou a fabricante brasileira a pagar multa diária de R$ 10 mil caso descumpra a decisão judicial.
Fiscalização
Autoridades que fiscalizam a pirataria de produtos de grifes famosas em São Paulo, como Receita Federal, Polícia Federal (PF) e Polícia Civil, foram procuradas pelo G1.
A Receita respondeu que é de conhecimento do órgão "a existência de estabelecimentos esparsos nos diferentes shoppings da região que vendem produtos ostentando marcas em condições e preços que sugerem a possibilidade de serem contrafeitos", mas que não foi procurada por nenhum órgão a respeito de falsificações de marcas famosas em São Paulo.
A Receita informou ainda que "tem feito aproximadamente 3 mil ações de repressão ao contrabando e descaminho" no país, além de ações fiscalização e combate em São Paulo. O órgão diz ainda que tem conhecimento do tipo de comércio em shoppings da região.
"A Receita Federal não recebeu nenhuma denúncia de estabelecimento específico, mas é de conhecimento da Receita Federal a existência de estabelecimentos esparsos nos diferentes shoppings da região que vendem produtos ostentando marcas em condições e preços que sugerem a possibilidade de serem contrafeitos. A atuação da Receita Federal se restringe, por força de lei, a contrafeitos (vulgo piratas) de origem estrangeira, e o órgão programa suas ações de maneira a oferecer o máximo de retorno para a sociedade com os recursos que dispõe. Caso as mercadorias de que trata o levantamento sejam importadas, os vendedores e importadores estarão sujeitos a apreensão das mercadorias e outras sanções por ocasião de uma fiscalização da Receita Federal", diz a nota.
A PF declarou que "não investiga as lojas onde são vendidas as mercadorias, mas sim as pessoas que trazem esse material." Segundo a Polícia Federa, seu foco de atuação "é o transporte em grande volume nas fronteiras, principalmente no Paraná e Paraguai e no Aeroporto Internacional de Guarulhos", na Grande São Paulo, onde realiza constantemente operações e investigações.
Já a Polícia Civil se posicionou por meio de nota encaminhada ao G1 pela Secretaria da Segurança Pública (SSP). O comunicado informa que a 1ª Delegacia da Divisão de Investigações Gerais (DIG) do Departamento Estadual de Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) e a 1ª Delegacia Seccional Centro fazem operações de combate às falsificações nas áreas citadas no levantamento.
"Atuam no combate aos crimes envolvendo falsificação (contrafação), violação de direito autoral e crimes contra a marca, através de investigações que possibilitam o mapeamento das regiões com maior incidência de comércio dos produtos piratas, inclusive as mencionadas pela reportagem", informa a nota da SSP.
Segundo a pasta da Segurança, no primeiro semestre deste ano, a 1ª Seccional fez 189 flagrantes de violação de direito autoral e apreendeu 120.898 objetos.
Em 2015, o Deic realizou 45 operações, apreendendo 5 milhões de produtos. "Esse ano já apreenderam um milhão e meio de objetos." De acordo com a Secretaria, quem for pego vendendo produto pirata por ser condenado a penas de "um mês a um ano de detenção".
A reportagem também procurou a Prefeitura de São Paulo, que informou que a fiscalização dos objetos piratas é feita pela Guarda Civil Metropolitana (GCM), mas nas ruas e não dentro de shoppings.
Reprodução/G1