O retrato mais bem acabado do fisiologismo político foi escancarado nas movimentações da última semana, quando uma romaria de parlamentares – mais de 40 num único dia – participou de convescotes com o presidente Michel Temer e, de pires na mão, lançou-se à barganha, esporte predileto praticado em Brasília nos tempos recentes. Ou seja, exercitaram o toma lá, dá cá velho de guerra, marca patenteada da política brasileira.
Para enterrar a segunda denúncia contra Temer, cujo destino está novamente nas mãos do Congresso, deputados de quase todas as colorações partidárias, acostumados a se moverem ao sabor de suas conveniências, apresentaram extensas listas de pedidos. Sem sequer corar a face. Desde criações de universidades, em seus redutos eleitorais, até a solicitação de camisas de times de futebol destinadas às pelejas de fim de semana do eleitorado.
A agenda palaciana ficou pequena para abrigar tantos compromissos. Na terça-feira 3, foram aproximadamente 12 horas de audiências com os parlamentares. Oficialmente, compareceram nada menos do que 34 deputados. Como alguns encontros ocorreram de forma extra-oficial, como o do deputado Édio Lopes (PR-PR), integrante da Comissão de Constituição de Justiça, há quem calcule que a senha de espera para ser recebido no gabinete presidencial possa ter chegado ao número 50.
Inaugurava-se ali a mesma prática lançada mão em meio ao exame da primeira denúncia contra o presidente. Naquela ocasião, Temer autorizou o pagamento de mais de R$ 2 bilhões em emendas parlamentares. Além disso, distribuiu cargos a aliados e baniu com a perda de postos de trabalho na Esplanada quem votou a favor da admissibilidade da denúncia. A tática funcionou. Os deputados barraram a denúncia de corrupção oferecida por Rodrigo Janot com sobras. No final da sessão na Câmara, o placar registrava 263 votos a favor de Temer e 227 contra.
Deputados sabem que, no varejão das negociações,
quem falar mais grosso tem mais chances de levar
A história se repete. Desta vez, com um detalhe que embute mais risco: o governo está com o caixa praticamente zerado para liberar novas emendas individuais, o que indica uma posição mais delicada em relação ao quadro que antecedeu a primeira acusação. Pior: algumas emendas que o Planalto prometeu empenhar na peleja anterior não foram quitadas até hoje. O próprio vice-líder do governo na Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), ainda não teve seu pleito atendido. “Acredito que, com a entrada de dinheiro em caixa, será liberada”, minimiza ele.
O discurso de Mansur não é uníssono. Um deputado ouvido por ISTOÉ disse que há focos de descontentamento na base aliada diante do não cumprimento de promessas anteriores. Apesar de ser do mesmo partido de Temer, o vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), também demonstra insatisfação com o Palácio do Planalto. A rusga tem origem no leilão da Cemig em que foram vendidas quatro usinas. Segundo ele, havia promessa do governo de não vender usinas da estatal mineira. Promessa que não foi cumprida. Para voltar a apoiar Temer, Ramalho pede que seja rateado o lance arrecadado com o leilão, que foi de R$ 12 bilhões. “Queremos R$ 2 bilhões para serem usados nas áreas de saúde, educação, segurança e, principalmente, na revitalização dos rios”, cobra o peemedebista.
Claro, é preciso não perder de vista que é encenado no Congresso o teatro de sempre. Diante da saída chamuscada do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é totalmente improvável que Temer saia da votação derrotado. Ninguém mais, nem mesmo a oposição, conta com o cenário de deposição do presidente. Os deputados sabem, porém, que, no varejão das negociações com o Planalto, quem gritar mais alto, leva. É nisso que a maioria se fia para garantir o seu quinhão – um naco de poder, que seja.
Pelo sim, pelo não, mesmo embebido pelo otimismo da vitória, o governo, para não cair em descrédito com os deputados, faz malabarismo com as diminutas receitas que restam nas contas. Segundo um servidor da Comissão de Orçamento e Finanças da Câmara, a equipe de Temer incorporou ao balcão de negócios” as chamadas “execuções extras”. Trocando em miúdos, o governo está raspando o caixa dos ministérios e direcionando o dinheiro para os municípios e cidades onde os deputados possuem eleitores. Por isso, alguns encontros com os parlamentares exigiram a presença de ministros. Um deles ocorreu entre Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) e os deputados Baleia Rossi (PMDB-SP), Tenente Lúcio (PSB-MG), e Simone Morgado (PMDB-PA). Na quarta-feira, foi a vez de Dyogo Oliveira, ministro do Planejamento, acompanhar reuniões com aliados com Temer. Vale lembrar que a pasta é a responsável por dividir os recursos repassados para os demais ministérios.
Com isso, o ministério que não conseguiu gastar os recursos que foram destinados para este ano corre sério risco de ficar mais pobre. O Ministério das Cidades, por exemplo, gastou R$ 6,276 bilhões dos R$7,591 bilhões disponíveis para execução. Essa sobra pode ir parar no município de algum parlamentar que estiver sintonizado com o governo. A indicação de onde o dinheiro deve ser gasto terá de obedecer a finalidade de dotação orçamentária, ou seja, precisa ser aplicada em benfeitorias na cidade.
Também repetindo a estratégia anterior, a equipe do Palácio do Planalto faz o possível para manter o controle da Comissão de Constituição e Justiça, que é a porta de entrada para o pedido de abertura de inquérito pelo STF. Como em time que está ganhando não se mexe, mais uma vez, Temer volta a repetir os movimentos da primeira denúncia, em que trocou membros da CCJ que se mostravam indecisos se votariam ou não com o governo. A maior interferência ocorreu na escolha do relator Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), um aliado declarado do Planalto. Mesmo sendo retirado da Comissão pelo líder do PSDB, na Câmara, Ricardo Trípoli (SP), Andrada não arredou o pé. Acabou herdando a vaga de suplente do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), membro da CCJ até a noite de quinta 5.
Na denúncia passada, Temer também usou a força de sua bancada na Câmara para manejar peças importantes na CCJ. Partido que integra a base do governo, o Solidariedade trocou na última hora o deputado Major Olímpio (SD-SP), que era titular da comissão e faz ataques duros ao governo Temer, pelo líder do partido, o deputado Áureo (SD-RJ), que ocupava uma vaga de suplente. A mexida favoreceu o presidente. Com o script sendo seguido à risca, o segundo round não deve apresentar surpresas. Mesmo assim, ninguém no governo quer dar sopa para o azar.
“Torpe e imoral”
Um sintoma disso foi a virulência com que Temer, por meio de seus advogados, partiu para o mais duro ataque contra o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Na peça de 89 páginas, entregue à Câmara, na quarta-feira 4, os advogados classificaram de “torpe” a segunda denúncia de Janot contra o peemedebista. “A obsessão de Rodrigo Janot, seu mal agir, foi antiético, imoral, indecente e ilegal!”, afirmaram os criminalistas. O documento foi subscrito pelos advogados Eduardo Pizarro Carnelós e Roberto Soares Garcia e endereçado ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG).
Os advogados do presidente atribuíram ao ex-procurador-geral da República “métodos sórdidos” e “ímpeto golpista”. Disseram, ainda, que o ex-chefe do Ministério Público Federal vive seu ocaso e promoveu “indecorosa concorrência” entre as delações do doleiro Lúcio Funaro e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
Não apenas para seus defensores, como também para Temer e seus auxiliares mais próximos, a delação de Joesley Batista da JBS acabou sofrendo o chamado “efeito bumerangue”. Ou seja, enquanto, no Planalto, todos aguardam a vitória de Temer na votação da Câmara, apesar de toda a sorte de tentativas de apeá-lo do cargo, Joesley e o executivo Ricardo Saud, da J&F, amargam a prisão por violação do acordo de colaboração com o Ministério Público Federal. Uma total reversão de expectativas.
Isto é (AO)