Bom Dia Brasil teve acesso com exclusividade à primeira delação da Operação Zelotes, que, entre outros pontos pontos, investiga o esquema de corrupção que atuava no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O depoimento do ex-auditor da Receita Federal Paulo Roberto Cortez mostra que votos eram encomendados por empresas que deviam milhões ao Fisco e funcionários do Carf tinham despesas pagas por conselheiros em troca de informações que não eram públicas.
Paulo Roberto Cortez é um ex-auditor da Receita Federal. Ou seja, representava o lado que cobra, fiscaliza e multa empresas e pessoas fisicas. Ele foi conselheiro do Carf até 2007.
O Carf é justamente o tribunal administrativo onde as empresas recorrem dessas multas da receita. Trata-se do conselho administrativo de recursos fiscais, ligado ao Ministério da Fazenda – onde as empresas, se conseguirem ter seus recursos aprovados, podem ter multas reduzidas ou até anuladas.
Paulo Roberto Cortez se tornou o primeiro delator da Zelotes a confirmar o que a operação investiga desde 2015: conselheiros do Carf recebiam propina para dar votos favoráveis às empresas. O resultado era uma economia milionária para os grupos empresariais e uma perda de arrecadação para a Receita.
A TV Globo teve acesso com exclusividade a depoimentos da delação de Paulo Roberto Cortez. Ele contou como um conselheiro sem conhecimento técnico conseguiu decisão favorável ao Bank of Boston. O então conselheiro é José Ricardo da Silva, que era ao mesmo tempo conselheiro do Carf e dono de uma consultoria que atuava em casos do conselho.
O delator recebia R$ 10 mil por mês em dinheiro vivo para fazer o trabalho que José Ricardo, segundo ele, não sabia fazer.
"Na área de Imposto de Renda, ele [José Ricardo Silva] não tinha muito conhecimento, tampouco em contabilidade. Então, antes de cada sessão, quando eu trabalhava com ele, eu fazia as devidas explicações, repassava para ele o material e fazia as explicações de cada matéria a ser tratada em cada julgamento", relatou Cortez aos investigadores da Zelotes.
O delator contou ainda que, em fevereiro de 2012, recebeu do então conselheiro Valmir Sandri um voto para o caso do Bank of Boston, e a orientação de adaptar o texto aos padrões do conselho. Sandri também é investigado na mesma operação. De acordo com o delator, o voto tinha objetivo certo: beneficiar a empresa.
Em dois recursos no Carf, o Bank of Boston conseguiu reduzir uma multa de R$ 600 milhões para menos de R$ 100 milhões. Se livrou de pagar meio bilhão de reais. O delator escreveu o voto de um desses recursos que o banco ganhou.
O delator contou também que José Ricardo conseguia informações privilegiadas no Carf para poder beneficiar o banco norte-americano. Em troca, pagou até despesas pessoais de um funcionário, Levi Antonio Silva, que atuava em uma das câmaras do conselho.
"[José Ricardo] recebia valores, eu lembro que algumas vezes eu via o escritório fazendo pagamentos de carnes de contas do Levi, colégio de filhos dele. O funcionário Hugo que fazia os pagamentos do escritório", contou Cortez.
A Justiça Federal em Brasília já validou a delação de Paulo Roberto Cortez, e as informações serão utilizadas nas investigações sobre corrupção no conselho administrativo ligado ao Ministério da Fazenda.
A Procuradoria da República no Distrito Federal quer a anulação desse julgamento, para que seja reanalisado e o Carf avalie qual a multa deve ser aplicada ao banco.
Em um dos depoimentos, indagado pelo Ministério Público sobre como José Rricardo recebeu as propinas do Bank of Boston, o delator confirmou a existência de um esquema de corrupção.
"Eu não posso dizer, mas deve ter sido em espécie. Eu não sei dizer como ele [José Ricardo] recebeu. Deve ter sido em espécie e talvez parte daqueles valores que foram repassados a mim tenha sido nesse processo", ressaltou o delator.
A defesa de José Ricardo da Silva não vai se manifestar. O Bom Dia Brasil não conseguiu contato com as defesas de Valmir Sandri, Levi Antônio Silva e do Bank of Boston.
Embora o Itaú-Unibanco tenha comprado as operações do BankBoston no Brasil, os investigadores afirmam que não há nenhum executivo da instituição bancária brasileira envolvido nas irregularidades apuradas pelo MP.
Reprodução/G1