Bahia

Comarcas fechadas obrigam deslocamentos de até 88km

Fórum de Conceição da Feira será desativado

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Fórum de Conceição da Feira será desativado - Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE | 13.07.2017A vendedora Patrícia Mascarenhas, 32 anos, tenta resolver na Justiça problemas decorrentes da separação de um casamento de 13 anos. O processo dela tramita no fórum de Conceição da Feira (a 127 km de Salvador), onde ela mora desde que nasceu. No entanto, a partir de setembro deste ano, ela não poderá resolver a situação na cidade onde mora. Terá que se deslocar para São Gonçalo dos Campos, a 14 km de distância, toda vez que precisar dar andamento ao caso e comparecer às audiências. O problema é que a comarca de Conceição da Feira foi desativada por decisão dos desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).

Em Conceição da Feira (24 mil habitantes), novas ações devem ser enviadas a São Gonçalo dos Campos

.A determinação dos magistrados envolve, ainda, outras 32 comarcas, e o fechamento delas se transformou numa batalha judicial. A seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) entrou com uma ação na Justiça Federal, no último 20 de junho, onde pede que o ato seja anulado.

Para a OAB-BA, a resolução aprovada pelos desembargadores no último dia 5 representa um "encolhimento" da presença do Judiciário no estado e prejudica o acesso da população à Justiça, sobretudo a mais carente. O TJ-BA desativou, ainda, sete varas (Camamu, Castro Alves, Inhambupe, Itajuípe, Olindina, Pojuca, Uruçuca).

Segundo levantamento feito por A TARDE, com a mudança, as populações das cidades-alvos da decisão do TJ-BA terão que se deslocar de 12,2 a 88 km para resolver problemas jurídicos (ver lista ao lado).

Os 90 mil processos que já tramitam nas 33 comarcas e os 227 servidores delas serão transferidos para unidades de outras cidades em até 60 dias. O ajuizamento de novos casos não é mais aceito nas desativadas e passa a ser feito naquelas que vão agregar as extintas.

Vice-presidente da OAB-BA, Ana Patrícia Leão contou que, em 2011, 50 foram desativadas e que, em 2014, outras 25 foram agregadas. "É um projeto sistemático do tribunal de reduzir cada vez mais a prestação jurídica. Está encolhendo sua presença no estado".

Como justificativa, o TJ-BA citou a resolução nº 184/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece que os tribunais devem adotar providências para extinção, transformação ou transferência das unidades judiciárias que tenham quantitativo de processos inferior a 50% da média de casos novos por magistrado do tribunal, nos últimos três anos.

Levou-se em consideração, também, a arrecadação judicial, a despesa da comarca e a distância entre aquelas que vão receber os processos e o número de servidores da desativada. Segundo o TJ-BA, devem-se economizar R$ 3 milhões por ano.

"O objetivo [da desativação] é melhorar a prestação jurisdicional sem o aumento de despesas. Caso uma das comarcas volte a registrar movimento processual que atenda aos critérios técnicos previstos na resolução, a comarca desativada poderá ser reativada", ressaltou, em nota, o TJ-BA.

Sobre os imóveis onde funcionam os fóruns que serão desativados, o TJ-BA informou que um grupo de trabalho criado pela presidência do órgão analisa cada caso. Prédios de propriedade do tribunal "podem ser leiloados ou cedidos para outro ente público".

Transtornos

No caso de Conceição da Feira, onde moram 24 mil habitantes, as novas ações devem ser feitas em São Gonçalo dos Campos. Para Patrícia Mascarenhas, a mudança trará transtornos. "Vai ser difícil. Aqui só tem transporte alternativo para São Gonçalo. Está todo mundo reclamando".

A advogada Juliana Cerqueira atua em Conceição da Feira e contou que as principais demandas estão relacionadas a divórcios, união estável, pensão alimentícia e ações indenizatórias de defesa do consumidor.

"Essa decisão fere o direito da população de ter uma comarca, e eles sofrem com o deslocamento. A daqui passou por uma reforma, ampliaram a estrutura, colocaram até banheiro com acessibilidade e agora fecha? É um retrocesso".

A frentista Joseane Machado, 29, está com o processo de pensão para o filho no início, mas já está preocupada com o deslocamento. "É complicado já ter um fórum dentro da cidade e ser desativado. É um transtorno. Só tem carro alternativo para nos levar até São Gonçalo e quem trabalha vai ter que arranjar mais tempo para se deslocar".

Número de comarcas está abaixo do previsto, diz OAB

A vice-presidente da OAB-BA, Ana Patrícia Dantas Leão, citou a Constituição do Estado da Bahia para criticar a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). De acordo o artigo 121 do documento, deveria existir uma comarca para cada município. Além das 33 unidades desativadas, há 178 comarcas para os 417 municípios baianos.

“Eles não cumpriam sequer o previsto. Ao invés de expandir, estão diminuindo o quantitativo. A medida dificultará para muitos baianos o acesso à Justiça”, afirmou a advogada.

Ao A TARDE, Ana Patrícia disse que o TJ-BA “parece ter condições” de manter as comarcas. Dos 6% da receita do estado que são destinados para o tribunal, há dois limites de gasto: o de alerta, que é de 5,4%, e o prudencial, de 5,7%. “O tribunal publicou um relatório do seu quadrimestre e está em 5,04%. Está abaixo do alerta. Isso nos leva a uma conclusão de que o tribunal teria como manter essas unidades. Talvez não pudesse ampliar”.

A ação movida pela entidade tem como réus o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e o estado e pede que seja concedida tutela provisória de urgência para impedir que a desativação seja concretizada.

A OAB-BA considerou que a resolução 184 na qual se baseou o TJ é inconstitucional diante da Constituição do estado e que, para criar ou desativar comarcas, deve ser por meio de projeto de lei e não por resolução. “Foi um caminho que o tribunal encontrou para extinguir sem criar projeto de lei”, disse Ana Patrícia.

A assessoria da Justiça Federal na Bahia informou que o processo está com o juiz André Jackson e está na fase de ouvir as manifestações do Estado. Por meio de nota, o governo do Estado informou que a Procuradoria Geral “está fazendo o acompanhamento técnico do processo”.

Critérios técnicos

Secretário-geral adjunto do Ministério Público do Estado (MP-BA), o promotor de justiça Artur Ferrari disse que o órgão acompanhou a decisão do TJ-BA e que ela “pareceu respaldada em critérios técnicos”.

Reprodução: A Tarde