Polícia

Crimes contra pessoas em situação de rua seguem sem solução: 'violência e exclusão'

Em Salvador, no período de março a maio deste ano, quatro moradores de rua foram mortos

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Madrugada do dia 23 de maio de 2017. Um casal dormia em um colchão no bairro da Sete Portas, em Salvador, quando foi surpreendido por um homem que jogou álcool no corpo deles e ateou fogo. Após alguns dias no hospital, os dois morreram. Madrugada do dia 9 de março de 2017. Um homem enrolado em um pedaço de papelão tem o corpo queimado por dupla em motocicleta no bairro de Nazaré. A vítima, que ficou internada por mais de 20 dias, não resistiu. Três vidas que representam milhares de outras que são interrompidas pela violência, pela desatenção da máquina pública e a impunidade.

De acordo com o delegado responsável pela investigação do crime em Nazaré, Lúcio Ribeiro, o inquérito não foi concluído porque até a identificação da vítima foi difícil. Os suspeitos não foram identificados por causa da ausência de testemunhas e câmeras de segurança em locais próximos ao crime.

"Já fizemos várias diligências ali. Ele não teve condições de falar. Ele ficou uns 10, 20 dias na UTI e depois veio a óbito. A informação do povo de rua é de que ele praticava pequenos furtos. Era morador de rua, viciado em crack. Não localizamos família, nada dele. Ele era conhecido como 'Sol'. Não achamos documentos com ele. Ficamos em uma saia justa porque não teve lado que a gente fosse para achar algo", relatou Ribeiro.

'Sol' morreu no Hospital Geral do Estado (HGE) no dia 31 de março, às 21h55, de acordo com informações do delegado. Mais de dois meses após o crime, a polícia ainda não tem suspeitos. De acordo com a promotora do Ministério Público da Bahia, Márcia Teixeira, a família de 'Sol' foi localizada e esteve em contato com ele durante o tempo que ficou internado.

"Nem sempre é possível a localização dessa família porque muitos deles não querem", disse a promotora. Assim como no caso do crime em Nazaré, as mortes na Sete Portas de Adriana da Silva Conceição, de 26 anos, e o namorado, seguem sem solução.

De acordo com o Departamento de Polícia Técnica (DPT), o jovem foi identificado como Tailan Nascimento de Sá. O corpo dele foi liberado no dia 29 de maio e enterrado no Cemitério Quinta dos Lázaros. Já o corpo de Adriana Conceição continua aguardando procedimento de identificação no Instituto Médico Legal (IML). Em contato com o G1, o DPT informou que será realizado um exame de DNA para que o corpo seja liberado.

"O problema é que muitas vezes essa autoria não é identificada, seja porque acontece na madrugada, seja porque as pessoas em situação de rua não querem ser testemunhas, mas há dificuldade na própria elucidação do crime. Como [o crime] acontece, normalmente, nas áreas com os bares mais simples, não tem câmeras, não tem como identificar. Ou as próprias pessoas também dificultam", disse a promotora Márcia Teixeira. Segundo ela, o MP não tem um estudo ou números sobre os crimes que são cometidos contra pessoas em situação de rua, mas a partir do momento em que é divulgado na mídia ou os movimentos sociais e famílias procuram a instituição, os casos passam a ser acompanhados pelo MP.

É o caso da mulher grávida em situação de rua que foi encontrada morta, com o corpo queimado, no bairro de Paripe, em Salvador, no dia 9 de maio deste ano. A vítima foi achada em um terreno abandonado e não foi identificada. O corpo dela tinha marcas de tiros. Moradores do local disseram que a vítima era uma mulher jovem e teria um filho de três anos, que vive em um abrigo para menores. Uma testemunha disse ter visto o corpo da vítima em chamas.

Com relação a esse caso e ao do casal da Sete Portas, a Polícia Civil informou que não irá se pronunciar até a conclusão dos inquéritos. Nenhum suspeito dos crimes havia sido preso até a publicação desta reportagem. O G1 tentou localizar as famílias das vítimas, mas não conseguiu.

Grupo de Trabalho

De acordo com Márcia Teixeira, foi instituído pelo Ministério Público da Bahia o "Grupo de Trabalho Institucional de Atenção e Preservação dos Direitos da População em Situação de Rua", que atua nas questões das políticas públicas e criminais, além de fazer atendimentos coletivos e individuais, como registros de nascimento, RG, carteira de trabalho, ações de reparação, na própria sede do MP, em Nazaré.

"Temos contato com as lideranças [movimentos sociais voltados para a população em situação de rua]. Estamos nos aproximando dessas demandas específicas", afirma a promotora. Márcia Teixeira ainda disse que o MP começou a fazer inspeções em todos as residências provisórias, hotéis sociais, e tem participado da comissão com diversas instituições para tratar dessa população em situação de rua.

"Criamos uma promotoria para situação de rua. Criamos um comitê gestor. Fizemos diagnóstico com eventos com a participação de mais de 100 pessoas em situação de rua, dos técnicos. Tivemos o resultado do projeto Axé e estamos refletindo sobre os caminhos constantemente. É uma complexidade muito grande e cada um tem sua história e não podemos construir políticas a partir das nossas percepções, temos que escutar essas pessoas", defende.

Para ela, não houve avanço em relação às políticas públicas no último ano. "Enquanto nós não tivermos políticas para cuidar desse ser integral que é excluído de todas as políticas, não temos como cuidar dessas pessoas. E o problema são as reiteradas violências e reiteradas exclusões", conclui.

Fonte: G1