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Greve no Espírito Santo provoca escalada de medo e ganha contorno político

O cenário é de ruas praticamente desertas - e não há previsão de que essa sensação de insegurança termine tão cedo.

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Assaltos, saques, ônibus parados e mais de cem assassinatos deixaram a população do Espírito Santo em pânico nos últimos seis dias. O cenário é de ruas praticamente desertas – e não há previsão de que essa sensação de insegurança termine tão cedo.

De um lado, estão policiais militares e bombeiros em greve para reivindicar um aumento salarial de 100% e melhorias nas condições de trabalho.

Na outra ponta, um governo estadual afirmando que passa por uma grave crise financeira e não tem condições de oferecer reajustes, ao mesmo tempo em que exige que os militares voltem ao trabalho como condição para iniciar as negociações.

Policiais civis decidem fazer paralisação após morte de colega de trabalho© Reuters Policiais civis decidem fazer paralisação após morte de colega de trabalho

E no meio desse impasse, uma população com medo de sair de casa e sem serviços essenciais, como transporte público, hospitais e escolas. Tudo parado pela falta de segurança.

Moradores ouvidos pela BBC Brasil relataram que as ruas estão vazias e a maior parte do comércio, fechada.

O empresário Deivid Bitti, dono de uma empresa de tecnologia da informação em Vila Velha, na Grande Vitória, pediu que seus funcionários não fossem trabalhar até a situação se normalizar.

O transporte público parou e não podemos exigir presença de funcionários enquanto existir essa insegurança", afirmou Bitti, antes de falar sobre o impacto financeiro dessa crise. "Como prestamos serviço para outros Estados, tivemos prejuízo e tivemos muitos transtornos."

Na manhã desta quinta, o presidente do Sindicato dos Rodoviários de Guarapari (Sintrovig), Walace Belmiro Fernaziari, foi morto a tiros dentro de seu carro em Vila Velha. Ele seguia para a garagem de ônibus onde trabalhava.

Pressão política

Em meio ao clima de medo nas ruas, a crise ganhou contornos políticos com a mobilização de deputados, secretários e uma senadora, que tentam fazer uma ponte entre o governo e os grevistas. 

Mas a classe política também se divide em relação ao diálogo e à continuidade da greve.

A senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) é contrária à exigência do governador em exercício, César Colnago (PSDB), de que a greve se encerre para que as negociações tenham início.

"Essa forma irredutível do governo gerou um impacto com consequências terríveis. A polícia precisa manter sim parte do contingente e atender a população. Mas (a forma) como o secretário da Segurança e o governo vem tratando tudo isso tem sido um desastre", afirmou à BBC Brasil.

Ela diz achar difícil que os policiais recebam um aumento salarial devido à crise financeira do Estado, mas exige que a gestão ao menos ofereça outros benefícios.

"Eles não têm vale-transporte nem vale-refeição, e isso é um absurdo. Essa negociação tem acontecer logo porque os prejuízos são irreparáveis e intransigência do Estado não leva a lugar nenhum", disse Freitas.

Soldados do Exército patrulham as ruas de Vitória© EPA Soldados do Exército patrulham as ruas de Vitória

Já o deputado estadual Gilsinho Lopes (PR) diz estar do lado dos policiais, mas defende que eles encerrem a greve antes de conversar com o governo.

"Queremos discutir com o governo, mas o comando precisa parar (a greve). Aqui estamos em crise, mas pagamos os salários em dia. Se derem esse aumento que estão pedindo para todas as categorias, o que acontece com os cofres do Estado? Não podemos garantir isso", afirmou à BBC Brasil.

Segundo ele, as mulheres dos grevistas, que tentam negociar com o governo, estão confusas em relação às reivindicações.

"Umas querem 42% de aumento, outras 100% e uma parte só quer entregar carta para o secretário. Uma bagunça. Alguém tem que ceder, e o governador disse que não vai conversar com quem estiver paralisado."

Cenário de caos

Homem observa porta arrombada durante saque a loja© Reuters Homem observa porta arrombada durante saque a loja

Nos últimos dias, assaltantes aproveitaram a fragilidade do policiamento.

Durante a madrugada, bandidos roubaram carros e usaram esses veículos para arrombar e furtar lojas de eletrônicos, joias e brinquedos. A estimativa do comércio é de um prejuízo de mais de R$ 90 milhões.

Na Grande Vitória, um policial civil foi morto ao tentar impedir o roubo de uma moto.

A Força Nacional e o Exército foram enviados para o Espírito Santo, mas moradores e policiais ouvidos pela BBC Brasil disseram que o policiamento é frágil, uma vez que eles não conhecem as regiões que têm os maiores índices de criminalidade e não vasculham as pequenas ruas dos bairros mais afastados.

Militares apagam barreira de fogo feita por manifestantes© EPA Militares apagam barreira de fogo feita por manifestantes

Na esteira da greve dos militares, os policiais civis também paralisaram suas atividades nos últimos dois dias – o que deve continuar nesta sexta.

O delegado e presidente do sindicato da categoria no Estado, Rodolfo Laterza, diz que a situação em Vitória é de colapso e temer que se agrave ainda mais.

"Suspendemos nossas atividades como os PMs porque não há segurança. E tudo pode piorar. Há risco de invasões, uma delegacia foi metralhada e um delegado quase foi atingido por um disparo", afirmou.

Para o sindicalista, a única saída para acabar com a greve é o governo aceitar fazer rodadas de negociações e acatar, ao menos em parte, os pedidos dos policiais.

Policiais durante enterro de policial vicil no Espírito Santo© EPA Policiais durante enterro de policial vicil no Espírito Santo

Segundo ele, os baixos salários levam os policiais a fazer "bicos" para complementar a renda.

Laterza afirma que há delegacias com falta de equipamentos e estrutura precária. Duas delas foram fechadas no último mês: a de Crimes Contra a Vida e a de Entorpecentes.

Segundo o sindicato, a falta de policiais ainda gera um acúmulo de processos – algumas unidades funcionariam com apenas um policial e um delegado.

População dividida

A greve dos agentes de segurança divide a opinião dos capixabas.

Embora parte apoie a luta pelos direitos, uma grande fatia da população é contrária à paralisação por causa da alta na criminalidade ocorrida nos últimos dias.

Descontente, um grupo de pessoas foi às portas de batalhões de Vitória para exigir o retorno dos policiais ao trabalho, mas foi recebido com barricadas de fogo feitas por familiares dos grevistas com pneus e pedaços de madeira. Houve registros de confrontos entre os manifestantes.

As barricadas só foram desfeitas após a intervenção do Exército e da Força Nacional, que mandaram 1,2 mil agentes de segurança para o Estado após pedido da gestão estadual.

O governo do Espírito Santo foi procurado pela BBC Brasil para comentar a crise, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Reprodução: MSN